Jornal Estado de Minas

Seca avança no Rio Doce, que corta Minas e Espírito Santo


A oferta de água no Rio Doce, manancial que corta os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, está diminuindo. As três estações de monitoramento do curso d’água distribuídas nos municípios de Ipatinga, Governador Valadares (Vale do Rio Doce) e Colatina (ES) apresentaram em julho uma média de vazões menor do que o índice mais baixo repetido por sete dias consecutivos nos últimos 10 anos, chamado de Q7,10. No mês anterior, apenas a estação de Ipatinga se enquadrava nessa situação. Os dados estão no Acompanhamento da Estiagem na Região Sudeste do Brasil, relatório elaborado mensalmente pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM). A Agência Nacional de Águas (ANA) aponta que a situação é ainda mais crítica, já que nas estações de Ipatinga e Valadares as vazões já estão aquém das mínimas em 84 anos de medições. Porém, a agência considera que o quadro ainda não configura conflito pela água, o suficiente para descartar, pelo menos por enquanto, uma deliberação para atrelar o uso da água às vazões do rio.

No mês passado, o Estado de Minas mostrou com a série de reportagens Amarga Agonia que a seca na Bacia do Rio Doce levou o manancial a não chegar mais ao Oceano Atlântico por seu caminho tradicional. A foz original virou uma lagoa represada por uma faixa de areia grossa de dois metros de altura. A reportagem mostrou que o problema na foz é resultado da degradação que se espalha pelos 850 quilômetros do leito do Rio Doce e também pela maior parte da bacia de 86 mil quilômetros quadrados.

O documento de julho do CPRM traz o acompanhamento de 40 pontos em estados como Minas e Espírito Santo, sendo que 10 deles, somando os três do Rio Doce, apresentaram vazões menores do que suas respectivas Q7,10 no mesmo mês.

O estudo anterior apontava apenas três pontos abaixo da vazão mínima dos últimos 10 anos, sendo um no Rio Doce.

O especialista em recursos hídricos da ANA Ney Murtha diz que o quadro é resultado da diminuição das chuvas, que ocorre desde 2012. “A situação é realmente muito crítica. É a pior seca de que a gente tem notícia em 84 anos no Rio Doce. Porém, a vazão necessária para o abastecimento de Governador Valadares, que é a maior cidade da bacia, é de um metro cúbico de água por segundo. Neste momento, a média de agosto nos aponta uma vazão de 128 metros cúbicos”, aponta.

Ele diz que o problema enfrentado no momento não tem relação com a vazão, mas com o nível muito baixo da água, já que as captações não foram projetadas para operar nessa situação. “Para evitar problemas no abastecimento público, vamos colocar os operadores de usinas hidrelétricas em contato com os responsáveis pelo saneamento”, informa o especialista.

Bombas Em Governador Valadares, cidade acostumada historicamente a lidar com as enchentes do Rio Doce, o diretor-adjunto do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Vilmar Rios, diz que desde novembro o órgão vem testando um sistema de bombas auxiliares à captação original, por conta do rebaixamento do nível do manancial.

Como o modelo funcionou, as bombas foram compradas e o sistema foi ligado novamente em junho, usando um ponto no meio do rio para reforçar a captação principal, que fica na margem. “Estamos conseguindo captar com essa ajuda, que equivale a 30% do que precisamos”, diz.

Boletins Segundo a presidente da Câmara Técnica de Gestão de Eventos Críticos do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, Luciane Teixeira, o órgão tem atuado repassando as informações das entidades oficiais, como CPRM e Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) para os usuários, municípios e instituições da sociedade civil, por meio de boletins mensais. “Temos também solicitado às instituições que nos informem sobre possíveis conflitos pelo uso da água, para que possamos acionar tanto o Igam quanto as equipes de fiscalização ambiental do estado”, afirma.

 

Memória

Série de reportagens retratou degradação

Nas edições de 12 e 13 de julho, o Estado de Minas publicou uma série de reportagens que retratou a situação de extrema degradação da bacia do Rio Doce, desde a nascente até a foz do manancial, ao longo de 850 quilômetros de extensão. Batizada de Amarga Agonia, a série mostrou que o desmatamento e o despejo de esgoto na calha do rio e de seus afluentes, aliados à falta de chuvas dos últimos anos, culminaram na interrupção do leito em sua chegada tradicional ao Oceano Atlântico, no distrito de Regência Augusta, em Linhares, no Espírito Santo. A foz, que se alargava por 380 metros de comprimento, recuou 60 e ganhou ares de lagoa, represada por uma faixa de areia grossa de dois metros de altura. A única saída do manancial para o mar se restringia a um braço de areia a um quilômetro da foz original.

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