A pacata Caldas, uma cidade com 13 mil habitantes, no Sul de Minas Gerais, é realmente pequena para manter apenas por lá o talento de Fernando Brant. Ele deixou a terra natal ainda criança. Foi para a tricentenária Diamantina e, aos 10 anos, chegou a Belo Horizonte, onde começou a escrever a própria história. Suas letras ganharam o mundo, sobretudo, na voz de Milton Nascimento, o Bituca. A parceria rendeu mais de 200 canções, como Travessia, Ponta de Areia e Maria, Maria.
Mas Brant tinha um outro lado talentoso. E soube explorá-lo como poucos. Formado em direito, o integrante do Clube da Esquina optou por trocar a beca pela máquina de escrever. Em 1969, aos 22 anos, ele estreou no jornalismo como repórter da sucursal mineira da revista semanal O Cruzeiro, a mais importante da época na América do Sul e editada pelos Diários Associados.
Brant também trabalhou na revista semanal A Cigarra, do mesmo grupo. Nelas, contou dezenas de histórias com repercussão nacional. Sua reportagem mais conhecida virou música: Ponta de Areia foi composta depois de uma viagem que ele fez, de Araçuaí (MG) a Caravelas (BA), para mostrar nas páginas de O Cruzeiro como o fim da ferrovia Bahia-Minas prejudicou a vida econômica e a social de moradores nas cidades que um dia havia sido cortadas pelos trilhos.
Outra reportagem, publicada em 1973, voltou a ser destaque nesta semana nas páginas do Estado de Minas, onde o repórter foi colunista de 2001 a 2004. Trata-se do “Mar de Minas”. Brant descobriu documentos de que o estado teria a posse de um terreno na Bahia, de Mucuri ao mar de Caravelas. As reportagens publicadas pelo EM, com base no texto do compositor, renderam mais de 1,5 mil compartilhamentos nas redes sociais.
Brant gostava de contar histórias de gente, como a de José da Silva, publicada em março de 1970. “Vespasiano é uma cidadezinha mineira de muita calma e poucos habitantes, a 20 quilômetros de Belo Horizonte. Mas, outro dia, a vida mansa de sua gente foi agitada por um acontecimento, quando J. Silva desceu de sua bicicleta e, erguendo-a acima de sua cabeça, fez a volta olímpica na quadra de basquete local, sob aplausos da multidão. Recorde mundial: pedalara, sem parar, durante 193 horas”.
As pedaladas foram dadas na própria cidade: era uma prova de resistência. O ciclista desbancou o recorde anterior, do colombiano Antônio Nava (104 horas). “Em volta da quadra de basquete, cinco mil pessoas se comprimiam, olhos atentos, dinheiro rolando na compra de sorvetes, pipoca e refrigerantes. O prefeito, o delegado, o vigário, fiscais da Federação de Ciclismo – todos queriam viver e aproveitar aquele momento. O homem da bicicleta era calmo, às vezes alheio, às vezes atento ao ruído em volta”.
Naquele mesmo ano, Fernando Brant também contou como um garotinho que morava próximo ao Minas Tênis Clube havia se tornado o vencedor da categoria minicampeão. Foi assim: “O corpo pequeno e ágil mergulha na piscina e luta para alcançar a outra margem. É Marquinhos, um campeão aos 4 anos”.
O garoto, de acordo com Brant, tinha plano ambicioso: “Minicampeão, Marquinhos, antes de voltar a seus brinquedos em casa, confessa que não pretende dedicar-se apenas à natação: ‘Vou nadar até ficar grande; aí então vou jogar com Dirceu Lopes’ (ex-jogador do Cruzeiro)”.
O repórter compositor dominava várias áreas do jornalismo, incluindo moda e concursos de misses. Em 1969, por exemplo, ele assinou a matéria A noite da glamour girl, publicada em A Cigarra. O texto mostra que Brant reparava detalhes nas vestimentas das candidatas, nos cortes de cabelo e em outros detalhes que nem todos os rapazes se atentam.
Ele informou aos leitores o seguinte: “As belíssimas moças que participaram do concurso deixaram o júri em dificuldade para decidir, mas no fim, prevaleceu a beleza e o charme de Elizabeth Seixas. Elizabeth, loura de longos cabelos soltos, pele bronzeada e riso aberto, usava, na ocasião, uma pantalona de franjas, parisiense, o que realçou seu tipo de mulher”.
Outra matéria que despertou atenção dos brasileiros foi “Uma mulher fora de série”, baseada na vida da educadora de origem russa Helena Antipoff (1872-1974), pioneira na introdução da educação especial no Brasil. Ela se mudou para o país, a convite do governo brasileiro, e residiu em Ibirité, na Grande Belo Horizonte, onde fundou a fazenda do Rosário, destinada a dar uma vida melhor a crianças chamadas à época de excepcionais.
O número de crianças assistidas pela educadora saltou de cinco para mais de 1 mil em 40 anos. Brant foi lá conhecer e contar essa história: “O menino modela com argila as formas de seu pensamento e surgem a beleza e a frieza de um homem e seu cachorro ajoelhados diante de um túmulo – quem diria que o autor dessa pequena escultura é um menino excepcional? Na sala de aulas, meninos e meninas aprendem os primeiros passos, os métodos são os mais modernos. A luz vai sendo aos poucos divisada no fim do túnel”.
As imagens de Branti que ilustraram essa reportagem foram clicadas pelo repórter fotográfico Juvenal Pereira, que hoje mora em São Paulo. Ele se recorda do amigo, músico e repórter com saudosismo: “Era um jornalista com olhar diferenciado. Ele sempre deixava o entrevistado a vontade para falar. Sabia perguntar e extrair grandes histórias”.
Nossa história
LINHA DO TEMPO
1946
Nasce Fernando Rocha Brant, em Caldas, em 9 de outubro
Década de 1960
Cria com amigos o Clube da Esquina
1967
Compõe Travessia, sua primeira música, que ficou em segundo lugar no II Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro
1969
Começa a trabalhar como repórter na sucursal mineira da revista O Cruzeiro
1980
Preside a União Brasileira de Compositores
2001 a 2014
Escreve crônicas para o Estado de Minas
2015
Em 12 de junho, aos 68 anos, o músico repórter não resiste às complicações de uma cirurgia de transplante de fígado