Januária, Itacarambi e Brasília de Minas – De Januária a Itacarambi são 60 quilômetros por asfalto pela BR-135. A ligação conta com poucos horários de ônibus, mas é fácil encontrar um táxi clandestino rumo à cidade vizinha, em Januária. Próximo à prefeitura, a equipe do Estado de Minas se deparou com um Voyage vermelho, aparentando pouco tempo de uso, estacionado em um ponto. A placa chama a atenção por ser de São João das Missões, cujo acesso se dá por uma parte sem asfalto da BR-135. Indagado sobre onde encontrar um táxi até Itacarambi, o motorista, um rapaz de cerca de 25 anos, responde prontamente: “É comigo mesmo”. Outra pessoa já aguardava a saída no ponto. Alguns minutos e aparece uma jovem. O carro parte com três passageiros, entre eles, o repórter. A viagem, porém, ainda estaria longe de começar.
Alguns quarteirões à frente, o motorista para em frente a um estabelecimento comercial. Desce e retorna 10 minutos mais tarde, com uma encomenda. “Demorei muito?”, pergunta. Em seguida, entra em um posto para abastecer o Voyage. A jovem pede ao motorista que passe em uma casa para buscar outra encomenda. Na saída de Januária, o taxista ainda aborda outras pessoas na rua, oferecendo condução. A viagem até Itacarambi leva cerca de uma hora, além dos quase 25 minutos gastos antes de pegar a estrada. No caminho, o taxista comete imprudências: ultrapassa duas vezes pela faixa contínua, inclusive em uma curva, e dirige pela contramão antes de parar em uma barraca de frutas. A corrida sai a R$ 20, contra R$ 17,25 do ônibus da empresa Transnorte, que opera no trecho.
A disputa ilegal entre carros particulares e o transporte regular está longe de ser fenômeno localizado. Na rodoviária da vizinha Brasília de Minas, por exemplo, é raro ver um coletivo parado nas baias de embarque e desembarque. Por outro lado, vários carros de praça aguardam passageiros do outro lado do terminal. Entre os destinos procurados por quem usa táxi-lotação na cidade, estão Luislândia, São Francisco e Januária. O Estado de Minas embarcou rumo a Luislândia, cidade mais próxima, que até o início da década passada era um distrito. Os taxistas de lá têm ponto próprio, em frente à Câmara Municipal. Basta chegar nos horários de maior movimento para encontrar um carro disponível. Entre eles, porém, podem se ver condutores como taxista uniformizado que aguarda diante de um carro com placa cinza.
No ponto, o motorista de um Chevrolet Classic dourado, com placa vermelha e identificado pelo adesivo da Associação dos Taxistas de Luislândia (ATL), é abordado e informa que precisa aguardar outra passageira para sair. Assim que ela chega, o condutor a ajuda a colocar as compras no porta-malas e parte com os dois ocupantes. Ao pegar a estrada, fecha os vidros e liga o ar-condicionado. Dirige rápido, mas de forma prudente. Em Luislândia, a corrida sai a R$ 6. É o dobro do valor cobrado pelo ônibus da Transnorte da linha São Francisco/Montes Claros.
É preciso pegar o coletivo para o trajeto de volta, pois no fim de tarde não há mais taxistas no ponto de Luislândia. “Geralmente, os táxis só rodam de manhã e no início da tarde”, já havia avisado o condutor do Classic. Outras quatro passageiras embarcam no ônibus, um veículo grande que também faz a linha Montes Claros/BH. Ele parte vazio e com ar-condicionado falho na parte traseira em troca da passagem até a rodoviária de Brasília de Minas: R$ 3.
Após a viagem, o EM entrou em contato com um dos telefones informados no recibo de táxi. O taxista que atendeu, José Wilton, se identificou como presidente da Associação dos Taxistas de Luislândia. Ele reconhece que os táxis da cidade rodam clandestinamente, mas afirma que a associação tem como objetivo regularizar o transporte intermunicipal da categoria. “A finalidade é trabalhar de acordo com a lei. O ônibus não supre a necessidade de todos. Na minha região, só há ônibus das 6h às 10h40, depois às 16h40 e às 20h30. Nesses intervalos, o pessoal quer andar e só tem o táxi”, afirma ele, ciente de que está sujeito à fiscalização do DER. “A placa vermelha só dá para rodar no município”, admite. Procurado para falar sobre o assunto, o secretário municipal de Transportes de Januária, Adolfo Castilho, não retornou os telefonemas.
'Rodoviária' de esquina e BH como destino
Além da interligação entre cidades da região e Brasília, o transporte clandestino no Norte de Minas tem forte atuação com destino à capital mineira. Nas ruas de Brasília de Minas, diversas empresas de turismo anunciam o transporte por ônibus como fretamento de viagem para Belo Horizonte. Há saídas diárias em uma das esquinas da cidade, quase sempre à noite. Se o ônibus lotar, os passageiros excedentes são transportados por vans de apoio. Em uma das agências que oferecem a viagem, às segundas, quartas e sextas e aos domingos, a passagem é vendida a R$ 80. O serviço atua na brecha deixada pela falta de linha regularizada entre a cidade do Norte mineiro e BH, confirmada pelo DER. Quem optar pelos serviços regulares da empresa Transnorte tem de ir até Montes Claros, a 107 quilômetros. A tarifa é de R$ 30,55. Para completar o caminho até a capital, é necessário desembolsar mais R$ 119,25.
A concorrência com táxis e ônibus clandestinos faz com que empresas registradas desistam de continuar trabalhando no ramo. Ex-sócio-proprietário da Expresso Xavier, de Brasília de Minas, Rogério Adelar decidiu entregar ao órgão regulador as últimas duas linhas que operava, por causa da drástica queda de demanda. Fundada pelo pai de Rogério em 1974, a Xavier chegou a atender Campo Azul, Mocambo, Santa Justa, Gameleira e Santa Tereza, os quatro últimos, distritos.
Atualmente, só roda para Mocambo, mas não por muito tempo. Os três últimos ônibus de uma frota que já chegou a 11 estão à venda. “Nossa melhor linha, para Campo Azul, já chegou a transportar 80 passageiros/dia. De uns tempos para cá, a procura caiu vertiginosamente. Depois disso, no melhor dos dias, não levávamos mais que 10 pessoas. Já houve ocasião em que chegamos à rodoviária com o ônibus vazio”, conta Rogério, para quem os táxis são os principais culpados pela situação. Depois de deixar a empresa, que segue administrada por um sócio, Rogério trabalha como caixa num supermercado pertencente ao cunhado. “Foi o que encontrei neste momento”, desabafa ele, que dedicou boa parte da vida ao transporte.
FISCAIS Para entender melhor a dinâmica do transporte, o Estado de Minas conversou informalmente com um fiscal do Departamento de Estradas e Rodagem (DER/MG) da região. O profissional sustenta que os colegas com quem trabalha atuam na fiscalização ao transporte clandestino na medida do possível, com “bom-senso”, para “não deixar o passageiro na mão”. Segundo ele, quando há autuação, a responsabilidade dos usuários até a chegada de um segundo veículo regularizado é dos fiscais. “A concorrência do transporte clandestino existe no Norte de Minas há muitos anos. Não dá para deixar o povo na estrada à noite ou à mercê do tempo. Certa vez, um colega brincou comigo que, uma vez enraizado, o transporte clandestino só cresce.” O fiscal do DER/MG pensa que a atual legislação do transporte de passageiros é antiga e necessita ser atualizada. Colaboram ainda para a situação, avalia, o preço menor que o do transporte regularizado.