Jornal Estado de Minas

Garagens de empresas viram cemitérios de carcaças por causa dos clandestinos

Clique na imagem para ampliar - Foto:

São Francisco – Em São Francisco – cidade de 55 mil habitantes às margens do rio homônimo, no Norte de Minas, a 578 quilômetros de Belo Horizonte –, esqueletos do que já foi uma grande garagem de ônibus, gerando mais de 50 empregos, dão testemunho do que se tornou o destino de grande parte das linhas regulares de coletivos que rodavam pela região. Pertencente ao extinto Grupo Amaral, a empresa Santo Antônio fazia a linha entre a cidade e Brasília (DF). Depois que entrou em crise financeira, parou de operar a linha até o Distrito Federal, hoje explorada por outra empresa, por meio de liminar. Mas, conforme informações da própria prefeitura local, há uma “empresa de turismo” que faz viagens clandestinas no mesmo percurso.

A Transprogresso, subsidiária da Santo Antônio, que tinha diversas linhas na região de São Francisco, também entrou em decadência e seus veículos pararam de rodar. A garagem das empresas em São Francisco, que já tiveram grande movimento, hoje têm aparência de ferro-velho, com sucatas e ônibus que não rodam mais. Coletivos do grupo abandonados podem ser vistos em outras cidades da região, como Januária. Em São Francisco, antigos motoristas da viação amargam desemprego e ainda lutam para receber direitos trabalhistas na Justiça. “O fim da empresa foi horrível para a gente.
Fez piorar as condições do transporte de passageiros na região e aumentou o desemprego”, lamenta o prefeito Luiz Rocha Neto (PMDB).

Hoje, o transporte clandestino domina o município. Pelo menos 15 linhas ligam a sede urbana a distritos e outras localidades. De acordo com o advogado Vandete Mendes Júnior, que mora na cidade e já entrou com ações na Justiça contra o serviço clandestino, quando defendia a Empresa Santo Antônio, a situação irregular na cidade ocorre desde 2001. Naquele ano, relata, em nome da transportadora, ele impetrou mandado de segurança que suspendeu todas as linhas de ônibus que percorriam estradas vicinais, cuja exploração era autorizada pelo município por alvarás anuais.

“Pela decisão da Justiça, a prefeitura teria de licitar todas as linhas municipais, mas, até hoje, nada foi feito”, afirma o advogado, acrescentando que as licitações não ocorrem por “interesses políticos”. Os itinerários, afirma, agora são explorados livremente, sem que haja sequer expedição de alvará pela prefeitura, que não fiscaliza se os veículos recebem algum tipo de manutenção, o que coloca os passageiros em risco. Segundo ele, boa parte dos ônibus tem entre 15 e 20 anos de uso.


SOB RISCO Entre as comunidades do município servidas pela frota clandestinas, estão Retiro, Lapa do Espírito Santo, Mocambo, Vargem de Casa e Fazenda Barra das Lages. “Vemos ônibus em condições muito precárias, em que a gente tem até medo de entrar, pois não recebem nenhuma fiscalização.

A vida das pessoas é colocada em risco”, opina Geraldo Rubim, também morador de São Francisco.

O prefeito Luiz Rocha Neto disse que “está providenciando” o processo licitatório. Ele passou a comandar a prefeitura em 2010 (era vice-prefeito e assumiu com o afastamento do então titular, José Antônio Rocha Lima) e foi reeleito em 2012. Questionado sobre o motivo da não regularização do transporte, argumentou: “Quando assumi, já encontrei essa situação vigente no município. As empresas alegaram que tinham direito à exploração das linhas. Mas, agora, vamos regulamentar tudo”.



De império a ferro-velho

A derrocada do Grupo Amaral, que controlava empresas como a Santo Antônio e chegou a dominar o transporte do Distrito Federal por quatro décadas, mantido pelo poderio econômico e político do fundador, o empresário  mineiro Dalmo Josué do Amaral, não se deveu apenas à concorrência do transporte clandestino. Começou com uma disputa familiar, foi sucedida por dívidas acumuladas após a cisão de empresas e culminou, em fevereiro de 2013, com uma intervenção do Governo do Distrito Federal (GDF) em três empresas (Viva Brasília, Rápido Veneza e Rápido Brasília), devido ao péssimo serviço prestado. Em dezembro do mesmo ano, o único herdeiro de Dalmo, Valmir Amaral, ex-suplente e senador (pelo PTB-DF, entre 1999 e 2007), se negou na Justiça a retomar o controle das empresas, agravando o sucateamento da frota. No fim de 2014, a Santo Antônio e a Transprogresso abandonaram as linhas que mantinham, deixando pendentes compromissos trabalhistas.

No lugar do Grupo Amaral, pelo menos três empresas de ônibus assumiram a operação das linhas que partiam do Norte mineiro com destino à capital federal.
Porém, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres, somente uma tem autorização para circular. Na região de Januária, das 12 linhas que eram operadas pelo conglomerado, oito foram licitadas recentemente. Quatro não tiveram interessados.

Em razão do imbróglio no Distrito Federal, Valmir Amaral cobra na Justiça R$ 360 milhões do GDF. Em maio de 2012, o empresário teve parte dos bens (R$ 38,5 milhões) penhorados pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em decorrência de uma briga pela dissolução societária de 11 empresas do grupo. Em 10 de maio deste ano, ele bateu o Smart que dirigia em uma árvore em Brasília, permanecendo internado, em estado grave.

Na época da intervenção do GDF, Valmir a classificou como “ato injusto, arbitrário e ilegal”. “Acabaram com a empresa, tudo roubado: pneu, motor, ônibus, almoxarifado, tudo. Não tem mais o que devolver para mim”, declarou Valmir, que teve breve vida pública ao assumir a cadeira do senador cassado Luiz Estevão.

Natural de Patos de Minas, Dalmo Amaral começou vendendo vassouras de piaçava. Mudou-se no fim de 1950 para Brasília, onde chegou a dirigir 30 empresas – metade do setor de transportes rodoviários –, com 5 mil funcionários e 1,4 mil ônibus. Em setembro do ano passado, já na época em que as transportadoras entravam em colapso, Dalmo faleceu, aos 80 anos, de causas naturais. Ninguém do Grupo Amaral foi localizado para comentar o assunto.

.