Montes Claros, Capitão Enéas e Coração de Jesus – As empresas de ônibus legalizadas enfrentam um novo tipo de concorrência: o transporte de passageiros que são cooptados pelas redes sociais. O serviço é oferecido por grupos formados no Facebook, nos quais as pessoas viajam em carros particulares, como caronas. Não existiria nada de anormal se o transporte fosse de graça. Mas não é isso que ocorre: são cobrados valores fixos dos passageiros, com os donos de carros de placa cinza disputando espaço com os motoristas de táxis clandestinos, que fazem o transporte intermunicipal, e ônibus piratas. A “carona paga”, a disputa dos táxis clandestinos e o sacrifício dos passageiros na travessia de estradas vicinais, cheia de mata-burros, no Norte de Minas, são abordados no último dia da série “Transporte sem lei, que o Estado de Minas publica desde domingo.
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Serviços ilegais de transporte 'reinam' no interior de Minas Falhas dos ônibus regularizados expõem passageiros a riscos em MinasEmpresas usam recurso judicial para transportar passageiros Motoristas clandestinos disputam passageiros e expõem o perigo no sertão de MinasGaragens de empresas viram cemitérios de carcaças por causa dos clandestinosVeículos clandestinos captam corridas nas brechas da lei no Norte de MinasDER garante que não há tolerância com transporte clandestinoTJMG condena Facebook por não retirar perfil falso de internauta“O maior concorrente das empresas hoje é o pessoal que realiza o transporte pelo Facebook carona. Eles estão ‘matando’ os táxis também”, reclama Márcio Antunes, taxista que realiza o transporte de passageiros entre Montes Claros e Januária. Ele disse que trabalha sob liminar judicial.
O preço da passagem da viagem de ônibus entre Montes Claros e Januária (163 quilômetros) é R$ 31,60. Os taxistas cobram entre R$ 40 e R$ 45 pelo mesmo trecho, com a vantagem de pegar o passageiro em casa na cidade de origem e levá-lo até o endereço final no município do destino. A “carona paga”, via rede social, custa R$ 20, segundo taxistas.
A reportagem viajou após entrar na página “Caronas #Janaúba/MOC #MOC/Janaúba”, que até ontem tinha 16,2 mil membros. O motorista escolhido foi Marcos (nome fictício). Contatado pelo celular, ele informou o preço: R$ 25, enquanto a passagem entre Montes Claros e Janaúba (120 quilômetros) é R$ 39,65. Após o embarque, o condutor pegou uma segunda pessoa. Ao longo do percurso, Marcos disse que mora em Janaúba e presta serviços em Montes Claros na área educacional.
Outro que oferece “carona paga” via rede social é o técnico em informática Alexandre, nome fictício, morador de Montes Claros, que aceitou falar com a reportagem desde que sua identidade fosse preservada. Há dois anos, ele oferece o transporte entre Montes Claros e Janaúba, trecho no qual viaja a cada 15 dias para prestar serviços a um cliente. Segundo Alexandre, sua intenção é dividir despesa, sem visar lucro. Entretanto, admitiu que outros motoristas se valem da “inovação” para ganhar dinheiro, travando disputa com motoristas de táxis clandestinos. “Existem até taxistas armados que ameaçam as pessoas que oferecem caronas”, afirmou.
A estudante Andressa, de 19 anos, disse que, a cada 15 dias, recorre à carona da rede social para viajar de Montes Claros, onde cursa engenharia civil, para Porteirinha. “O valor é mais em conta. Acho que o dinheiro é rateado para a gasolina”, diz a universitária, que desembolsa entre R$ 25 e R$ 30 a cada viagem. A passagem de ônibus entre as duas cidades custa R$ 50.
A concorrência fez uma viação do Centro-Oeste do estado, que alegou prejuízos com a concorrência desleal, entrar com ação judicial.
FISCALIZAÇÃO O Sindicato das Empresas do Transporte de Passageiros (Sindpas) afirma que os grupos de caronas nas redes sociais constituem mais um mecanismo para incrementar o transporte ilegal, que já ultrapassa 35% do serviço, “estrangulando o sistema, prejudicado pelo transporte irregular”. “Na prática, há formação de uma rede de transportes irregulares sob o falso título de carona”, considera o sindicato.
O Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) informou, em nota, que “considera a carona paga como transporte irregular e que fiscaliza a prática ilegal”.
Alerta nos mata-burros
Mesmo quando o transporte é legalizado, passageiros que usam linhas intermunicipais no Norte de Minas também enfrentam riscos e desconforto nas viagens. A reportagem do EM constatou essa situação na rota entre o Distrito de Alvação (município de Coração de Jesus) e Montes Claros, operada pela Viação Brasil. Ao todo, são percorridos 90 quilômetros. Nos primeiros 40 pavimentados da BR-135, a viagem é tranquila. A dificuldade é a superação dos 50 quilômetros restantes de estradas de terra, entre a comunidade de Pau d’Óleo até o destino final. Além da disposição para encarar a poeira e buracos, o motorista do ônibus precisa ter habilidade para atravessar 43 mata-burros e cinco cancelas, além de pontes estreitas e subidas íngremes, ao longo do trecho de terra malconservado.
A grande quantidade de mata-burros e a má conservação da estrada de terra faz com que a viagem seja muito lenta. Em alguns pontos, devido aos buracos, o motorista praticamente tem que parar o ônibus. Também são feitas paradas constantes para a descida dos moradores das comunidades rurais.
O diretor da Viação Brasil, Sérgio Machado, disse que a empresa cuida da documentação legal e da manutenção dos seus ônibus, mas tem prejuízos com os danos provocados pelas estradas malconservadas. Por outro lado, reclama da concorrência desleal do transporte clandestino. “Infelizmente, os carros clandestinos estão carregando mais passageiros do que as empresas legalizadas”, lamenta ele, que cobra mais fiscalização do DER-MG..