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Estado de Minas TRANSPORTE SEM LEI

'Facebook carona': nova opção de transporte clandestino é usada no Norte de Minas

Carona paga e marcada via rede social, disputa de táxis clandestinos e perigo em viagens regularizadas deixam passageiros e motoristas reféns no Norte de Minas


postado em 25/08/2015 06:00 / atualizado em 25/08/2015 08:09

Carona paga via rede social virou alternativa para quem quer economizar no Norte de Minas, como a estudante Andressa(foto: Danilo Evangelista/Esp. EM)
Carona paga via rede social virou alternativa para quem quer economizar no Norte de Minas, como a estudante Andressa (foto: Danilo Evangelista/Esp. EM)

Montes Claros, Capitão Enéas e Coração de Jesus
– As empresas de ônibus legalizadas enfrentam um novo tipo de concorrência: o transporte de passageiros que são cooptados pelas redes sociais. O serviço é oferecido por grupos formados no Facebook, nos quais as pessoas viajam em carros particulares, como caronas. Não existiria nada de anormal se o transporte fosse de graça. Mas não é isso que ocorre: são cobrados valores fixos dos passageiros, com os donos de carros de placa cinza disputando espaço com os motoristas de táxis clandestinos, que fazem o transporte intermunicipal, e ônibus piratas. A “carona paga”, a disputa dos táxis clandestinos e o sacrifício dos passageiros na travessia de estradas vicinais, cheia de mata-burros, no Norte de Minas, são abordados no último dia da série “Transporte sem lei, que o Estado de Minas publica desde domingo.

No Norte de Minas, o “Facebook carona” – que também funciona em várias regiões do estado – estabeleceu uma concorrência com os motoristas de taxis-lotação, que há anos, mesmo não tendo permissão para o transporte intermunicipal (alguns deles alegam que conseguiram liminares), carregam passageiros nas estradas da região. Eles encaram os motoristas que cooptam passageiros pelas redes sociais como os taxistas de Belo Horizonte encaram o Uber: uma ameaça.

“O maior concorrente das empresas hoje é o pessoal que realiza o transporte pelo Facebook carona. Eles estão ‘matando’ os táxis também”, reclama Márcio Antunes, taxista que realiza o transporte de passageiros entre Montes Claros e Januária. Ele disse que trabalha sob liminar judicial. “A coisa é pior do que Uber”, completa Antunes, fazendo referência ao serviço de transporte privado, oferecido via aplicativo.

O preço da passagem da viagem de ônibus entre Montes Claros e Januária (163 quilômetros) é R$ 31,60. Os taxistas cobram entre R$ 40 e R$ 45 pelo mesmo trecho, com a vantagem de pegar o passageiro em casa na cidade de origem e levá-lo até o endereço final no município do destino. A “carona paga”, via rede social, custa R$ 20, segundo taxistas.

A reportagem viajou após entrar na página “Caronas #Janaúba/MOC #MOC/Janaúba”, que até ontem tinha 16,2 mil membros. O motorista escolhido foi Marcos (nome fictício). Contatado pelo celular, ele informou o preço: R$ 25, enquanto a passagem entre Montes Claros e Janaúba (120 quilômetros) é R$ 39,65. Após o embarque, o condutor pegou uma segunda pessoa. Ao longo do percurso, Marcos disse que mora em Janaúba e presta serviços em Montes Claros na área educacional. Informou ainda que cobra dos passageiros somente para “ajudar” no preço da gasolina e cobrir as despesas das viagens.

Outro que oferece “carona paga” via rede social é o técnico em informática Alexandre, nome fictício, morador de Montes Claros, que aceitou falar com a reportagem desde que sua identidade fosse preservada. Há dois anos, ele oferece o transporte entre Montes Claros e Janaúba, trecho no qual viaja a cada 15 dias para prestar serviços a um cliente. Segundo Alexandre, sua intenção é dividir despesa, sem visar lucro. Entretanto, admitiu que outros motoristas se valem da “inovação” para ganhar dinheiro, travando disputa com motoristas de táxis clandestinos. “Existem até taxistas armados que ameaçam as pessoas que oferecem caronas”, afirmou.

A estudante Andressa, de 19 anos, disse que, a cada 15 dias, recorre à carona da rede social para viajar de Montes Claros, onde cursa engenharia civil, para Porteirinha. “O valor é mais em conta. Acho que o dinheiro é rateado para a gasolina”, diz a universitária, que desembolsa entre R$ 25 e R$ 30 a cada viagem. A passagem de ônibus entre as duas cidades custa R$ 50.
A concorrência fez uma viação do Centro-Oeste do estado, que alegou prejuízos com a concorrência desleal, entrar com ação judicial. A empresa conseguiu decisão favorável do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que determinou ao Facebook a retirada do “grupo fechado”. No processo, a companhia alegou que, na verdade, estava sendo feito o transporte remunerado de passageiros, até com a divulgação da possibilidade do pagamento com cartão de débito/crédito.

FISCALIZAÇÃO
O Sindicato das Empresas do Transporte de Passageiros (Sindpas) afirma que os grupos de caronas nas redes sociais constituem mais um mecanismo para incrementar o transporte ilegal, que já ultrapassa 35% do serviço, “estrangulando o sistema, prejudicado pelo transporte irregular”. “Na prática, há formação de uma rede de transportes irregulares sob o falso título de carona”, considera o sindicato.

O Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) informou, em nota, que “considera a carona paga como transporte irregular e que fiscaliza a prática ilegal”.

No percurso entre o Distrito de Alvação, em Coração de Jesus, e Montes Claros há 43 mata-burros: quatro horas para percorrer 90 quilômetros(foto: Luiz Ribeiro/DA Press )
No percurso entre o Distrito de Alvação, em Coração de Jesus, e Montes Claros há 43 mata-burros: quatro horas para percorrer 90 quilômetros (foto: Luiz Ribeiro/DA Press )

Alerta nos mata-burros

Mesmo quando o transporte é legalizado, passageiros que usam linhas intermunicipais no Norte de Minas também enfrentam riscos e desconforto nas viagens. A reportagem do EM constatou essa situação na rota entre o Distrito de Alvação (município de Coração de Jesus) e Montes Claros, operada pela Viação Brasil. Ao todo, são percorridos 90 quilômetros. Nos primeiros 40 pavimentados da BR-135, a viagem é tranquila. A dificuldade é a superação dos 50 quilômetros restantes de estradas de terra, entre a comunidade de Pau d’Óleo até o destino final. Além da disposição para encarar a poeira e buracos, o motorista do ônibus precisa ter habilidade para atravessar 43 mata-burros e cinco cancelas, além de pontes estreitas e subidas íngremes, ao longo do trecho de terra malconservado.

A grande quantidade de mata-burros e a má conservação da estrada de terra faz com que a viagem seja muito lenta. Em alguns pontos, devido aos buracos, o motorista praticamente tem que parar o ônibus. Também são feitas paradas constantes para a descida dos moradores das comunidades rurais. Desta forma, a viagem demora quatro horas para rodar 90 quilômetros. “Na época da chuva, a situação piora mais ainda”, diz o motorista Guilherme Soares, lembrando várias vezes que o ônibus foi impedido de rodar em função das péssimas condições da estrada no período das águas.

O diretor da Viação Brasil, Sérgio Machado, disse que a empresa cuida da documentação legal e da manutenção dos seus ônibus, mas tem prejuízos com os danos provocados pelas estradas malconservadas. Por outro lado, reclama da concorrência desleal do transporte clandestino. “Infelizmente, os carros clandestinos estão carregando mais passageiros do que as empresas legalizadas”, lamenta ele, que cobra mais fiscalização do DER-MG.


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