Ninguém sabe ao certo onde termina o Belvedere, bairro nobre da Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e onde começa o Vila da Serra, já em Nova Lima, na região metropolitana. Aparentemente, não há muita diferença entre a qualidade de alguns prédios vizinhos dos dois municípios, mas o que mais distancia a realidade de um imóvel do outro é o valor do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), bem mais alto para os moradores da capital. Mas isso pode mudar. O vereador Nélio Aurélio de Souza (PMDB), de Nova Lima, encabeça uma campanha para revisão da planta genérica do município, de forma a aumentar os valores do tributo, que ele classifica como “quase de graça”. A iniciativa desperta polêmica entre os contribuintes, principalmente os de bairros e condomínios fechados distantes da sede, como o Vila da Serra, que são praticamente uma extensão da capital.
No início do ano, a professora universitária Valéria Vieira, de 48 anos, trocou seu aparamento no Bairro Santa Amélia, na Pampulha, em BH, por outro de 93 metros quadrados no Vila da Serra. Ela está assustada com um possível aumento do imposto. “Acabei de comprar meu apartamento em Nova Lima, e um dos motivos foi o valor do IPTU, que é mais barato. Pago R$ 420 por ano e jamais terei condições de pagar o que o pessoal do Belvedere paga”, afirma.
A designer de interiores Mariana Pinheiro, de 40, que mora em um condomínio resort no Vila da Serra, paga R$ 750 por ano, e sustenta que as estruturas dos bairros são diferentes, o que justifica seu IPTU mais barato em Nova Lima. “Se aumentar, vamos nos reunir com a associação dos moradores e fazer um movimento contra”, decreta ela. “Ideia maluca essa de equiparar o IPTU do Vila da Serra com o do Belvedere. O Belvedere tem um dos metros quadrados mais caros de Belo Horizonte”, reagiu o advogado Fernando Barbosa, de 40, que trocou o Gutierrez, na Região Oeste de BH, por um imóvel no município vizinho, também atraído pelos impostos mais baixos.
Do lado de Belo Horizonte, o advogado tributarista Victor Rodrigues, de 25, mora em um apartamento de 160 metros quadrados no Belvedere, paga R$ 8 mil de IPTU e também é contra o reajuste do imposto dos vizinhos. “Não concordo. A promessa que usaram para atrair as pessoas para o Vila da Serra foi o IPTU baixo, fator que estimulou a construção civil e a consequente mudança das pessoas para os prédios de lá. Seria uma quebra de expectativa. A pessoa tem um planejamento familiar e depois vem um reajuste abusivo”, disse Victor. Segundo ele, a cobrança não é vinculada à prestação de serviços municipais, mas tem que haver benefício para o cidadão. “Um aumento abusivo desse não tem justificativa, porque o contribuinte não está tendo e nem vai ter contrapartida”, reforça.
Mas a posição não é consenso. A dentista Fernanda Pompeo, de 36, também mora no Belvedere e disse que os imóveis do Vila da Serra são tão bons quanto os do seu bairro. Porém, ela reclama que os imóveis mais baratos no município vizinho desvalorizam os que ficam na capital. “Eles pagam R$ 400 mil por um apartamento que no Belvedere tem o mesmo padrão e custa o dobro”, disse ela, que defende a equiparação não só do IPTU, mas também dos preços.
DEFASAGEM O vereador Nélio Aurélio, que está no cargo há 16 anos, justifica que o município de Nova Lima passa por crise financeira e diz que sempre defendeu a revisão da planta genérica do Vila da Serra e da Região Norte de Nova Lima. Segundo ele, apartamentos de até 400 metros quadrados em prédios de luxo têm IPTU de R$ 2,2 mil do lado de sua cidade, quando os vizinhos equivalentes de BH pagam mais de R$ 20 mil. “Evidente que não se vai passar o tributo do apartamento de Nova Lima para R$ 20 mil, pois seria desproporcional. Mas temos que fazer uma revisão para requalificar o IPTU”, disse. Segundo o parlamentar, uma casa velha no Centro de Nova Lima, com a mesma metragem, paga mais do que um apartamento no Vila da Serra. “Em Belo Horizonte, os valores do IPTU são diferentes nos bairros Serra, no Sion e no Belvedere. Em Nova Lima, é da mesma forma. Só que o que se paga no Vila da Serra está defasado há muitos anos e ninguém fez nada desde que houve a expansão imobiliária. É muito bom uma pessoa ficar morando em um prédio de milionário pagando R$ 2,2 mil ao ano. O IPTU é de graça”, argumentou.
Queixas do lixo ao asfaltamento
Diante do movimento para aproximação entre os valores de IPTU cobrados dos contribuintes de Nova Lima e os que são pagos pelos vizinhos do Belvedere, moradores do Bairro Vila da Serra reclamam que são esquecidos pela prefeitura e que não têm serviços de melhoria urbana. Muitos se queixam do serviço de limpeza das ruas e de falta de segurança. “Esses moradores sempre penaram. Sempre me ligaram pedindo para tapar buraco e para lutar por isso ou aquilo para eles. Sempre foi um serviço deficitário e muito ruim”, concorda o vereador Nélio Aurélio.
O diretor da Associação dos Moradores do Vila da Serra e do Vale do Sereno (Amavise), Sérgio Americano, informou que filiados à entidade estão se reunindo até cinco vezes por semana, e que vão recorrer à Justiça para impedir um possível reajuste do IPTU. Segundo ele, Nova Lima tem seu Centro Histórico, onde estão reunidos os políticos e grande parte da população, mas nas regiões periféricas, como Vale do Sereno, Vila da Serra, Jardim Canadá e Alphaville, vistos como parte de Belo Horizonte, as comunidades estão esquecidas. “No Centro de Nova Lima, dificilmente se encontra uma rua com buraco. Agora, no Vila da Serra e no Vale do Sereno, as ruas são todas esburacadas e não há varrição. Alguns locais não têm nem coleta de lixo e há moradores que pagam pelo serviço que a prefeitura deveria prestar”, reclama Americano. “Não merecem nem o IPTU que recebem”, reagiu o diretor do Amavise.
A Prefeitura de Nova Lima informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que “a posição do vereador Nélio Aurélio é pessoal”. Mas acrescentou reconhecer que os valores do IPTU estão defasados. Ainda não há projeto de reajuste do imposto, mas a Secretaria de Planejamento já começou estudos nesse sentido.
Sobre a reclamação de deficiência na prestação de serviços, a prefeitura reconhece que os moradores têm certa razão, pois o município passa por crise financeira, que limita algumas prioridades. A manutenção de ruas e avenidas foi prejudicada, admitiu a administração do município, que, no entanto, sustenta que a coleta de lixo não foi afetada e é feita normalmente. “A prefeitura reconhece que precisa melhorar o atendimento naquela região (Vila da Serra) e já existe planejamento para isso”, reforçou.