“De que lhe vale cantar? Soltar os acordes ao vento para te ver despertar/Simplesmente cantarolar”. No meio do Parque Municipal Américo Renné Gianetti, na Região Central de Belo Horizonte, ecoavam ontem os versos dessa irresistível melodia da banda de rua Faca Amolada, conduzida pelo pai, o músico Chico Bread e seus dois filhos, Isadora e Emanuel Rocha, de 20 e 18 anos. “Vim andando por todo o parque até encontrar de onde vinha essa música simplesmente perfeita. Vocês estão de parabéns”, elogiava, realmente impressionado com a qualidade do som, o auxiliar-administrativo de Uberlândia Nildo Nunes, de 25. Ele aproveitou para tirar uma foto com a banda, com a intenção de guardar para a posteridade.
Nildo não é o primeiro a se encantar com a qualidade do som do Faca Amolada, que há cinco anos se apresenta nas calçadas, parques e praças da capital. Por onde passa, vem atraindo centenas fãs informais, que já acompanham a programação de shows por meio da página da banda de rua no Facebook. “No domingo passado, começamos a nos apresentar bem aqui”, conta Chico Bread, apontando para o chão de paralelepípedos na entrada do parque. “De repente, quando olhamos à nossa volta, havia umas mil pessoas assistindo ao nosso show”, completa o pai, inveterado finalista dos famosos festivais de música nas décadas de 1960 e 1970.
Para quem souber ouvir, o palco da rua pode oferecer surpresas encantadoras, como o encontro com esses artistas que ainda não foram descobertos pela indústria fonográfica do país nem tampouco tiveram a chancela de um padrinho renomado. “Se hoje somos um pouco mais conhecidos é porque fomos tocar para o público das ruas. Nem precisamos mais passar o chapéu. Quando terminamos de montar os instrumentos, geralmente as pessoas já fizeram suas doações”, sorri a jovem com voz de rouxinol Isadora Rocha, que estuda canto desde os 6 anos e ganhou duas bolsas para estudar música pela Fundação de Cultura Artística.
“Enquanto não gravamos um CD, continuamos inéditos”, brinca Chico Bread, já vacinado contra propostas fantasiosas, que no passado acabaram se revelando golpe. No estilo genuinamente hippie, o pai se revela decepcionado com o que ele chama de falta de sensibilidade e maldade do capitalismo. “Chegamos ao universo da música como uma faca afiada, cortando todas as amarras e preconceitos.
Produção “Eles são essencialmente uma família de artistas, que tem músicas maravilhosas e ao mesmo tempo muita dificuldade de se organizar”, explica a produtora baiana Viviane da Silva Santos, que há três meses se comprometeu a fazer um trabalho específico de divulgação da banda pela internet e inscrição em festivais e concursos culturais. “Se Deus quiser, ainda vamos gravar um CD este ano, até dezembro. Isso se não houver uma reviravolta antes e sair mais rápido”, aposta a produtora, que se inscreveu no edital para gravar um demo a partir do Descentra Cultura, programa da Fundação Municipal de Cultura.
Com suas melodias “sincopadas”, Chico Bread, o autor das músicas tocadas, iniciou sua carreira nos anos 1960. Participou de diversos festivais de música em Minas Gerais e já tocou em teatros e universidades nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Após um tempo imerso em outras atividades que o distanciaram da música, há cinco anos retornou a Belo Horizonte, reiniciando sua carreira artística, inicialmente solo.
Além do trabalho autoral, a banda toca e canta um repertório de música popular brasileira com muita originalidade e competência.
“Meu coração é vermelho, vive cercado de montanhas/Veredas, esquinas, ruas e catedrais”, cantarolam pai e filha, um completando a letra esquecida pelo outro. “Sou o HD externo do meu pai”, explica Isadora, abraçada ao irmão. Mais introspectivo, Emanuel pega rapidamente o ritmo da dupla.