Jornal Estado de Minas

Crise da pediatria leva prefeituras a desativar atendimento infantil em parte das unidades

Pediatria em Minas (avaliação em dezembro) - Foto: Arte EM
Pelo telefone, um dos funcionários da Unidade de Atendimento Imediato (UAI) Petrolândia, em Contagem, na Região Metropolitana de BH, informa que o serviço de pediatria está suspenso há dois anos. Na UAI Ressaca, no mesmo município, a busca pela especialidade também não encontra resposta positiva. “A última vez que o pediatra veio aqui foi quarta-feira. Não tem previsão de quando vai voltar a ter consulta”, informou a atendente, por telefone, acrescentando que nos últimos dias o serviço estava irregular. Em ambos os casos, os funcionários encaminharam a demanda para a UAI Nova Contagem, distante quase 20 quilômetros. Não é um caso isolado quando se trata de complicações no atendimento infantil. Assim como o município, muitas cidades mineiras estão com serviço desfalcado por falta de recursos e de profissionais.

 

De acordo com a presidente da Sociedade Mineira de Pediatria, Raquel Pitchon, a entidade recebeu, neste ano, informações de médicos de João Monlevade, Santa Luzia e Lagoa Santa sobre dificuldades no atendimento. Segundo ela, o Hospital Santa Margarida, em Monlevade, tem enfrentado falhas nas escalas, agravadas pela crise.
“É mais uma sobrecarga no serviço, que já apresentava dificuldades”, afirmou. Em Santa Luzia, ela explica que as queixas são sobre a UPA São Benedito, onde também há reclamações de escalas deficitárias. No início do ano, o Hospital São João de Deus fechou as portas, o que também fechamento da Santa Casa trouxe impacto a toda a rede do município.


Para Raquel Pitchon, o contingenciamento de recursos na área da saúde agrava uma situação que já era preocupante na especialidade. “Já estamos vivendo uma desestruturação na pediatria, tanto do atendimento ambulatorial quanto no hospitalar”, afirma. Segundo ela, esse quadro tem dois impactos negativos: há cada vez mais unidades com escalas desfalcadas e profissionais sobrecarregados. “Isso prejudica o paciente, pois aumenta a chance de erro médico, e expõe os profissionais a cargas excessivas e ao risco de violência por parte da população”, afirma.

Impactos do corte de verba - Foto: Arte EMREESTRUTURAÇÃO A saída encontrada por municípios mineiros para lidar com as equipes desfalcadas na pediatria foi desativar serviços em algumas unidades e concentrar atendimento em outras. Em Contagem, por exemplo, onde há cinco unidades de pronto-atendimento (UPAs), a Secretaria Municipal de Saúde concentrou a especialidade em três: Vargem das Flores, JK e Ressaca, com 21 médicos atendendo 24 horas por dia.

Mas o Estado de Minas apurou que pelo menos na última o serviço está irregular. “A dificuldade para contratação de pediatras está relacionada com a escassez dessa especialidade em todo país”, informou a pasta, destacando ainda que, mesmo com a crise econômica e corte no orçamento do Ministério da Saúde, investe no setor quase o dobro do exigido pela Constituição Federal.


Uberlândia, no Triângulo, também sofreu enxugamento no serviço. De acordo com a pediatra Telma de Souza Miguel, o atendimento infantil foi interrompido nas UAIs Pampulha e Tibery, que tiveram parte de seus pediatras transferidos. “As alegações do município são sempre as mesmas: falta verba e não há demanda suficiente em determinadas unidades, já que a pediatria tem procura sazonal”, afirma.


Segundo a Secretaria de Saúde de Uberlândia, a pediatria na unidade Tibery foi fechada por falta de espaço físico para manter todas as clínicas, e para atender a um acordo firmado com o Ministério Público. Durante esse período, os pediatras estão prestando atendimento na UPA Sul, para onde também foram transferidos profissionais da unidade Pampulha. Ainda segundo o órgão, a rede pública da cidade conta com 120 pediatras e não faltam profissionais.


Já em Betim, as UPAs Guanabara e Alterosas tiveram os pediatras transferidos e clínicos serão capacitados para atender demandas infantis de urgência. O Samu dará prioridade para a transferência de crianças para os núcleos criados nas unidades de pronto-atendimento Sete de Setembro e Teresópolis. A decisão de reestruturar a rede foi tomada por falta de regularidade nas escalas de pediatras.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, cada uma das unidades passou a contar com três profissionais por plantão diurno e três no noturno. A cidade tem 42 especialistas.


Segundo o Hospital Santa Margarida, de João Monlevade, o atendimento chegou a ficar desfalcado porque médicos não queriam assumir os plantões. Atualmente, 15 pediatras trabalham na unidade, que garante estar com atendimento normal .


De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Santa Luzia, o corte do governo federal deverá impactar diretamente a assistência. “A dificuldade de contratação de pediatras ocorre há algum tempo e tem uma série de fatores que resultam no baixo número de profissionais disponíveis no mercado”, diz a nota. Segundo a secretaria, na UPA São Benedito, a pediatria conta com quatro especialistas, em cada plantão de 12 horas. Já a Secretaria de Saúde de Lagoa Santa informou que não faltam pediatras nas unidades de saúde.

Arrocho adia a normalização

Apesar da crise no atendimento infantil – setor em que o contingenciamento de 11,3% nas verbas para a saúde se somou à histórica falta de especialistas –, o número de profissionais tem aumentado nos últimos dois anos, segundo o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Paulo Poggiali. “Os acadêmicos de medicina estão se interessando mais pela área nas faculdades”, disse. Ele afirma ainda que médicos-residentes ou já formados estão voltando o olhar para a especialidade, mas lamenta o arrocho no Orçamento, que impede a normalização do setor. “Essa é a expressão maior do sucateamento do estado, e quem sofre com isso é a população”, afirmou.
No caso de Minas, o Ministério da Saúde ainda não detalhou qual será o tamanho do corte de verbas. No ano passado, R$ 7,4 bilhões de recursos federais para a saúde foram executados no estado.

Até a última sexta-feira, exatos R$ 5,4 bilhões haviam sido liberados. Segundo a pasta, no entanto, o contingenciamento não recai sobre despesas obrigatórias, como serviços de alta e média complexidade e atenção básica, e sim sobre despesas administrativas e assinatura de novos convênios, por exemplo.


Questionada sobre os impactos do contingenciamento no Orçamento, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) não se posicionou sobre o assunto. Informou, no entanto, que o número de pediatras – entre especialistas clínicos, oncologistas e cirurgiões – aumentou de 9.862, em 2011, para 10.424, neste ano. Ainda segundo a pasta, em Minas, 456 instituições oferecem leitos pediátricos para internações. Sobre o orçamento destinado à clínica pediátrica hospitalar de média complexidade, foram investidos no estado R$ 90,49 milhões no ano passado, praticamente o mesmo valor de 2013 (R$ 90,44 milhões). Neste ano, de janeiro a setembro, foram destinados ao setor R$ 67,9 milhões.
Há, no estado, segundo a Sociedade Mineira de Pediatria (SMP), cerca de 2.830 pediatras, aproximadamente 50% em Belo Horizonte. “Não podemos falar que haja déficit na capital. Mas a distribuição é muito heterogênea no interior. Há municípios que nem mesmo contam com pediatras”, afirma Raquel Pitchon.


De acordo com a Secretaria de Saúde da capital, a prefeitura tem investido no reforço no número de pediatras. Em 2011, foi realizado concurso para a área no SUS-BH.

Na disputa, 125 pediatras foram aprovados, todos foram nomeados e 50 tomaram posse. Em 2014, foi realizada nova seleção, em fase de homologação, com 10 vagas para atendimento infantil e possibilidade de convocação de maior número de aprovados.

 

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