A morte de mais um bebê, a bonequinha Sofia Gonçalves de Lacerda, de 1 ano e 8 meses, chama a atenção para síndromes raras que exigem transplante multivisceral e para a luta das famílias para que a cirurgia seja feita no país. Como é hoje, os cerca de 40 bebês identificados com quadros como o de Sofia dependem do longo e sofrido processo de arrecadação de doações e de ajuizamento de ações para tentar a transferência das crianças para o hospital Jackson Memorial, em Miami, Estados Unidos. Ao custo próximo de US$ 1 milhão, a esperança tem sido entregar os nenéns doentes nas mãos do médico brasileiro Rodrigo Viana, que já realizou mais de 100 transplantes multiviscerais em cinco anos atuando no hospital norte-americano.
“Sofia foi um dos maiores nomes dessa luta e abriu precedente para várias outras crianças brasileiras na tentativa de buscar tratamento médico fora do país. É lamentável até hoje não termos conseguido implementar esse tipo de transplante”, comenta. O tratamento ainda não é oferecido no Brasil, embora o país já seja autossuficiente em transplantes de córnea, coração, rins e até fígado. A cirurgia de transplante de diversos órgãos ao mesmo tempo (multivisceral) leva em torno de 30 horas de duração e exige a dedicação de dezenas de profissionais de saúde integrados à equipe. “Quem tem condição financeira consegue fazer a cirurgia no exterior. É muito difícil conseguir resultado, mas a única chance que Sofia teria seria fazer o transplante multivisceral”, afirma o gastropediatra Magno Veras, do Hospital Mater Dei.
Perto de completar um mês, Gabrielle Vitória será o mais novo caso de ação na Justiça para liberar a realização da complexa cirurgia em Miami. Na semana passada, a menina, que tem a síndrome do intestino encurtado, malformação congênita que acomete até 3% dos recém-nascidos no Brasil, recebeu pela primeira vez a visita emocionada da avó Marluce e da tia Bárbara, grávida de sete meses, que ainda não tinham visto a bebê mais de 15 dias depois de ela ter nascido. Já os papais– o mecânico de automóveis Bruno Rodrigues Carneiro, de 33 anos, e a mãe Nayara Alves Silva Rodrigues, de 27 – não arredam pé do Neocenter. “Criamos a página na internet há uma semana e já contamos com mais de mil curtidas por dia. Se Deus quiser, nós vamos conseguir. Estamos vivendo para ela”, afirma Nayara, que mesmo se recuperando da cesárea visita a filha diariamente.
DOAÇÕES Assim que sair o laudo médico, a pequena Gabi terá reproduzida sua campanha de doações no Clique da Esperança, que reúne em uma mesma página as lutas de mais de 20 crianças brasileiras com os mais diversos problemas de saúde, geralmente com tratamento de alto custo, como a síndrome do intestino encurtado, caso de Pedrinho e Lavínia, de Minas Gerais. A campanha Salve o Pedrinho arrecadou perto de R$ 40 mil, que estão bloqueados pela Justiça, enquanto a da Lalá conseguiu angariar fundos em torno de R$ 1 mil. Com o acréscimo da doação de R$ 1 mil, feita por um empresário anônimo, os pais de Lavínia puderam oferecer um belo velório para a filha.
“Já chegamos a um milhão de visitas e à média de R$ 50 mil mensais em doações, em nove meses de existência. De vez em quando, sorteamos passagens de avião e buscamos apoio de jogadores de futebol para dar uma forcinha. Nossa missão é tentar modificar a vida das pessoas, não apenas das que precisam de ajuda, mas principalmente daquelas que oferecem sua solidariedade”, afirma o criador do projeto, o paulista Fabio Laé de Souza, de São Paulo. Ele atuava como desenvolvedor de softwares nos Estados Unidos, mas sofreu doença incapacitante que o fez voltar para o Brasil e montar a página de doações, com o auxílio da mulher Carolina Salib. Segundo o casal, qualquer valor a partir de R$ 5 pode ser doado. O valor é depositado diretamente na conta dos pais da criança e o doador pode acompanhar sua contribuição em tempo real no histórico de doações da criança.
PEDIDO DE SOCORRO
Doenças raras movimentam campanhas por ajuda para cirurgias nos Estados Unidos
Síndrome do intestino curto – A Doença de Richard Hirschsprung (Síndrome do Intestino Curto) é uma rara malformação congênita, que acomete de 2% a 3% dos recém-nascidos no Brasil. A doença genética é caracterizada por uma alteração no desenvolvimento do sistema nervoso ligado ao intestino. Em função do quadro, o paciente não consegue se alimentar por via oral e precisa ser submetido à nutrição parenteral.
Como ajudar
O Clique da Esperança tem por objetivo ajudar pessoas com doenças graves que precisam de cirurgia ou tratamento médico por todo Brasil. Todo o valor arrecadado é revertido para as campanhas, não há taxas de administração e os recursos são depositados diretamente nas contas das famílias. Basta clicar no https://cliquedaesperanca.com.
Movidos pela Gabi
Mais de 3,6 mil pessoas já estão conectadas à campanha da bebê Gabrielle Vitória, que nasceu em 19 de agosto e desde o segundo dia de vida está internada na CTI do Hospital Infantil São Camilo, em Belo Horizonte, onde permanece entubada recebendo alimentação por sonda. A família entrou mais rápido com ação na Justiça para tentar levar a neném aos Estados Unidos. Para ajudar, o ideal é procurar pela mãe dela, Nayara, no Hospital São Camilo, que aguarda autorização para entrar no Clique da Esperança.
HISTÓRIAS DE LUTA E PERDAS
A menina Sofia Gonçalves de Lacerda, de um ano e oito meses, que nasceu com Síndrome de Berdon, uma doença rara, e que havia sido submetida a um transplante do aparelho digestivo, morreu na madrugada de ontem no hospital Jackson Memorial, em Miami, Estados Unidos. A criança estava Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital e não resistiu a uma infecção. A família fez uma grande mobilização pelas redes sociais, chegando a arrecadar perto de R$ 2 milhões. Por fim, conseguiu na Justiça que o governo brasileiro bancasse o tratamento nos Estados Unidos.
Salve a Lalá
Lavínia Emanuele, de 1 ano e dois meses, estava internada com graves problemas intestinais no CTI do Hospital da Unimed, em Betim. A mãe, a ex-balconista Adriana Domiciano Furtado, de 26 anos, moradora de Juatuba, também iniciou campanha na internet para ajudar a filha, além de ajuizar ação na Justiça para garantir o transplante multivisceral. A menina chegou a figurar no Clique da Esperança, mas as doações não chegaram a tempo. Em 6 de setembro, Lalá foi submetida a cirurgia de quase sete horas, perdeu muito sangue e acabou falecendo.
Campanha Salve o Pedrinho
Portador da síndrome do intestino ultraencurtado, o bebê Pedro Gomes de Oliveira, o Pedrinho, estava internado no Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte. Os pais de Pedrinho, que nasceu em Eunápolis, na Bahia, não tinham condições de pagar pelo transplante e lançaram a campanha “Salve o Pedrinho”, que chegou a arrecadar perto de R$ 800 mil. Em 20 de julho, liminar na Justiça determinou que fossem custeadas todas as despesas do transplante multivisceral, nos Estados Unidos. Pedrinho, infelizmente, não conseguiu esperar. Com quase um ano, o bebê morreu às 14h45h de 9 de agosto, de infecção generalizada.