Para atravessar a Avenida Álvares Cabral, entre as ruas Curitiba e São Paulo, no Centro de Belo Horizonte, o pedestre precisa caminhar pela ponte, sobre o córrego do Leitão. O belo-horizontino pode também embarcar em uma canoa e descer do Sion até o Parque Municipal, em uma espécie de rafting urbano pelo leito do Córrego Acaba Mundo. Para quem observa a cidade com olhar cético e vislumbra apenas a selva de pedra, sem os rios e córregos originais que correm encaixotados sob o asfalto da capital mineira, um dos projetos comandados pelo arquiteto espanhol Antonio Hoyuela Jayo pode parecer uma alucinação. Ou melhor, como diz o próprio nome do trabalho, uma utopia.
“Revisitamos os desenhos mais interessantes do urbanismo de escala metropolitana e refizemos o plano do engenheiro sanitarista Saturnino de Brito para a capital, elaborado com base na ideia vencedora do plano de Aarão Reis”, explica Jayo. Para entender a utopia do arquiteto espanhol, é preciso lembrar que Aarão Reis foi o presidente da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), que no final do século 19 tratou da construção de nova sede do poder de Minas Gerais no local chamado Curral del Rey, hoje Belo Horizonte. As ideias de Reis prevaleceram e BH foi projetada a partir dos desenhos dele.
Saturnino de Brito (1864-1929), um dos profissionais mais importantes da época, também fazia parte da CCNC. Mas como destaca o diretor do Arquivo Público de Belo Horizonte, Yuri Mesquita, o engenheiro deixou a comissão por não ter suas ideias acatadas. “Há indícios de que ele defendia um melhor destino para os córregos da cidade”, entende Mesquita.
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O engenheiro sanitarista José Roberto Champs, que coordenou o plano diretor de drenagem de Belo Horizonte, concorda que a capital teria se desenvolvido de maneira diferente com o plano de Saturnino. “O ideal para qualquer cidade é manter o leito natural, que foi esculpido e moldado em milênios, mas os córregos da mancha urbana estão todos canalizados, enterrados ou em canais abetos e concretados”, lembra Champs.
O engenheiro explica que manter o leito natural, como defendia Saturnino, exige proteger as margens da ocupação de vias urbanas e moradias.
INOVAÇÃO As inovações do trabalho de Saturnino de Brito já foram tema de estudos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em artigo publicado em 2013 na revista da instituição, os pesquisadores Nilo de Oliveira Nascimento, Jean-Luc Bertrand-Krajewski e Ana Lúcio Britto ressaltam que Saturnino dirigiu os projetos de abastecimento de água potável durante a construção da capital, entre 1894 e 1895, e que o engenheiro “diferencia-se notavelmente de seus contemporâneos higienistas em razão de seu pensamento urbanístico profundo e inovador, por comparação com os modelos de urbanismo inspirados pelo higienismo”, diz trecho do trabalho. “Há em Saturnino de Brito uma preocupação em orientar o desenvolvimento urbano, tendo por referência o respeito ao patrimônio cultural e ambiental preexistente”, prossegue o texto. Segundo o artigo, o engenheiro sanitarista considerava o traçado geométrico proposto por Aarão Reis como “muito rígido”.
Na Belo Horizonte de hoje, não resta quase nada visível dos rios e córregos que o projeto de Saturnino previa preservar. No Parque Municipal, é possível ver um filete de água do Córrego Acaba Mundo, que abastece as lagoas do parque. O córrego, que nasce no Sion, corre por galerias subterrâneas até chegar ao Centro da cidade.
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