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Estado de Minas

Comunidade na Serra do Cipó celebra centenário com cerimônia de candombe

Comunidade do Açude mantém cortejo e ritual sagrado ao som de tambus feitos por escravos há 201 anos. Especialistas consideram o candombe a expressão mais antiga do congado mineiro


16/09/2015 06:00 - atualizado 16/09/2015 07:55

Ver galeria . 5 Fotos Tocadores de tambu dão início ao ritual do candombe, considerado por especialistas a expressão mais antiga do congado mineiro: festa durou das 22h de sábado às 7h de domingoLeandro Couri/EM/DA Press
Tocadores de tambu dão início ao ritual do candombe, considerado por especialistas a expressão mais antiga do congado mineiro: festa durou das 22h de sábado às 7h de domingo (foto: Leandro Couri/EM/DA Press )

“O senhor me dá licença, de eu cantar nesta baixada...” Ao som ritmado dos tambus, instrumentos seculares, homens e mulheres de todas as idades seguem a bandeira de Nossa Senhora do Rosário pelo caminho enfeitado com flores de papel, iluminado por velas, e participam do candombe, considerado pelos especialistas a expressão mais antiga do congado mineiro. O cortejo e o ritual sagrado, na comunidade do Açude, em Jaboticatubas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ganharam, no fim de semana, um significado maior: a comemoração do centenário do local incrustado na Serra do Cipó, onde as tradições se fortalecem com o tempo e se mantêm com o respeito das novas gerações.

Os três tambus da comunidade, guardados como tesouros sonoros, também mereceram destaque, diz o músico e cinegrafista Danilo Santos, “filho” do Açude e entusiasta das tradições. “Eles completaram 201 anos em 2014. Foram feitos pelos escravos do tronco do saboeiro, sendo a madeira escavada de um lado e coberta de couro de boi”, explica o músico, lembrando que a afinação se faz na fogueira, que arde das 22h do sábado até as 7h do domingo, quando tudo termina.

Celebrado anualmente sempre no segundo sábado de setembro, o candombe atraiu, desta vez, mais de 300 pessoas, entre moradores e visitantes da comunidade localizada a 94 quilômetros da capital. Remanescente de uma comunidade quilombola, Açude, com 22 famílias, acordou cedo no sábado para preparar a festa, que teve até roda da capoeira reunindo vários mestres de todo o país. “É preciso alimentar os candombeiros que chegam. Então, tem que fazer bolos e biscoitos no velho forno de cupim, cortar lenha para a fogueira e enfeitar a rua”, conta Danilo.

À frente da organização, feliz da vida, estava dona Maria das Mercês, matriarca da comunidade, atenta a todos os detalhes e sempre a postos com as expressões “Nossa Senhora! e “Deus te abençoe” para acolher quem chega. O carisma dela já ultrapassou os limites da Serra do Cipó, pois dona Mercês, como é conhecida, foi eternizada na canção Casa Aberta, de Flávio Henrique e Chico Amaral: “Na casa aberta, é noite de festa, dançam Geralda, Helena, Flor, na beira do rio, escuto Ramiro, dona Mercês toca tambor”.

REZAS E DANÇAS
Candombe, no dialeto africano quimbundo, significa sala de reuniões, explica Danilo. “É uma reza em forma de canto, pois formam-se rodas, a noite inteira, e todo mundo pode entrar. Se quiser, o morador ou visitante pode fazer um verso e cantá-lo, expressando o sentimento naquele momento. É chamado de ponto, um limpa-alma completo”, acrescenta o músico.

Quem participa da celebração fica sabendo mais sobre a história da comunidade. Em 1915, quando minguaram as águas do rio que dá nome à região, os donos da antiga Fazenda do Cipó decidiram trocar de lugar o engenho de cana. Os trabalhadores, negros recém-alforriados, tiveram então que sair da região da Vargem para povoar a área que ficou conhecido como Açude.

Foram os avós de moradores como dona Mercês, Lourdes, Sino, Geralda, ex-escravos alforriados, que geraram as atuais famílias residentes. “Somente três anos após da Abolição, portanto em 1891, que os escravos daqui foram libertados. Os senhores de engenho se aproveitaram da distância da fazenda com a cidade grande para não dar a notícia”, conta Danilo. Ele adianta que, no segundo sábado de novembro, será realizado um seminário no local, com palestras e debates, além de mostras de vídeos, shows e outras atividades.

CALOR DO FOGO
As emoções ganham mais força enquanto a noite avança e é impossível não entrar no clima que mescla cultura e religiosidade. “Eu sou carreiro, eu vim pra carrear. A minha boiada é nova, sobe o morro devagar”, é um dos versos cantados na festa, que tem ainda o boi da manta, que vai abrindo caminho e retirando as energias negativas para a passagem da bandeira de Nossa Senhora do Rosário. “A música remete aos antigos carros de boi”, diz Danilo. Durante a noite, os festeiros servem aos visitantes broa de fubá, biscoitos, caldo de mandioca, café coado na hora, quentão, cachaça e batidas.

Quando o dia está raiando, é hora de voltar para casa, mas, antes, os candombeiros cantam “tá caindo fulô, tá caindo fulô, lá do céu, cá na terra, olê lê, tá caindo fulô.

ORIGENS
O candombe surgiu nos últimos anos da escravidão, quando os escravos já haviam assimilado vários aspectos da cultura colonial e incorporado elementos da religião católica. Se antes foi reprimido pelos senhores, hoje o candombe é motivo de orgulho para as famílias e uma manifestação de fé e esperança. As orações, tantas vezes repetidas, são formas de agradecer a Nossa Senhora do Rosário, mãe do candombe, por todas as bênçãos concedidas à comunidade. E os batuques dos tambus, por sua vez, transmitem a fé e a alegria do povo. No ritual sagrado não faltam canções com versos em português e muita cachaça, para descontração de quem vai prestigiar a festa.


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