O relógio marcava 0h15, quando a diarista Gleiciele Aparecida Braz da Silva foi informada que o filho Hugo Vinícius Braz da Silva, de 14 anos, havia tomado um tiro nas costas, disparado por policiais militares, e que ele havia sido socorrido para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS). Menos de 20 minutos depois, quando a mãe e alguns parentes chegaram à unidade médica, receberam a notícia de que o adolescente estava morto. Ainda sob efeito de calmantes para suportar a dor, Gleiciele disse ontem, durante o velório no Cemitério da Saudade, na Região Leste de BH, que buscava uma resposta para o fim trágico do filho. O corpo de Hugo foi sepultado no final da tarde.
A mãe lembra que Hugo Vinícius era um garoto traquina, como a maioria dos meninos da sua idade. Ele, entretanto, havia abandonado a escola há três meses, gostava de andar de bicicleta, patins e pegar carona na traseira dos ônibus. Tinha o costume de se encontrar com a turma de amigos na esquina perto de casa e ficava até tarde da noite conversando. “Pelo que eu sei, ele não estava envolvido com drogas nem outras coisas erradas. Não sei o que aconteceu, mas meu filho foi morto de uma forma covarde, baleado pelas costas”, disse Gleiciele.
O adolescente V., a testemunha que estava com Hugo Vinícius antes dele ser perseguido pelo sargento e o cabo da PM, afirmou que o amigo correu todo o tempo com arma na cintura e nenhum momento a apontou em direção aos policiais militares. “Ele tinha acabado de pegar essa arma de plástico quando vimos a viatura se aproximar. Decidimos sair da esquina, mas os policiais vieram atrás da gente e como o Hugo correu, eles o perseguiram”, contou o menor.
LUTA A diarista e parentes afirmaram que vão acompanhar as investigações e cobrar resposta. Disseram ainda que vão lutar para que se faça justiça e para que os dois policiais militares acusados pela morte de Hugo Vinícius sejam condenados pelo crime.
Um dos parentes, que pediu para não ter o nome divulgado, contou que estava em bar próximo da Rua Juramento no momento em que Hugo Vinícius foi baleado e chegou a ouvir os disparos. “Um motociclista reconheceu o Hugo e me avisou que era ele quem havia tomado tiro da PM. Corri para a Rua Veredinha e o Hugo estava caído na esquina, aproximei dos policiais e me identifiquei. Ele disseram que o Hugo ainda respirava e que iriam socorrê-lo para o João XXIII”, contou. Porém, segundo familiares, ao chegar ao HPS, eles foram informados pelo plantão da Polícia Civil no local que o adolescente deu entrada sem vida ao hospital.
"Ficaram me pressionando"
Embora com medo de sofrer retaliação da PM, a testemunha V., de 17 anos, resolveu retomar sua rotina ontem, depois de ter passado mais de 12 horas no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (Cia-BH) para ser ouvido
O que você e o Hugo faziam na rua aquela hora da noite?A gente sempre se encontrava à noite para conversar. Somos amigos de infância. A gente estava com mais dois colegas. Eles mostraram a arma de brinquedo e me chamaram para ir até o Mangabeiras. Disseram que queriam arrumar uns celulares. O Hugo disse que precisava arrumar um dinheiro e que iria.
Você não aceitou o convite?
Não. Fiquei com medo e disse que iria para casa. Os dois meninos atravessaram a rua e nesse momento vimos a viatura da PM se aproximando. Eu e o Hugo começamos a andar em direção à Rua Iara. A viatura veio atrás de nós, e ele correu.
O que ocorreu em seguida?
Eu parei, e o Hugo virou à esquerda, correndo na Rua Veredinha. Nesse momento, a PM atirou. Ouvi seis disparos. Corri para casa, e poucos minutos depois apareceram os policiais dizendo que iriam me levar como testemunha.
Para onde eles te levaram?
Para o 22º BPM. Eles ficaram me pressionando para eu dizer que tinha ouvido apenas um disparo e que o Hugo correu com arma na mão. Mas não foi assim. O Hugo correu com a arma de brinquedo na cintura e em nenhum momento ele apontou a arma para os policiais. E mesmo assim, eles atiraram várias vezes.