“Tudo começou com o calo no pé. Eu amarrava um pano e punha remédio, mas ficava sempre doendo. Não sabia o que era”
Daniel José de Almeida, de 80 anos, internado desde 1993
Com inocência, o garimpeiro Daniel José de Almeida, natural de Rubim, Norte de Minas, abstraiu a dor nos pés, que nunca findava. Durou cerca de cinco anos, mas ele não podia se afastar da busca incansável do garimpo. Se largasse mão da bateia, algum colega fisgaria a preciosa pedra alexandrita. “Mesmo defeituosa, uma faísca dela vale mais de R$ 1 milhão”, diz. Mas o preço foi alto demais. Em vez de fortuna, Daniel ganhou um terrível diagnóstico. “Nunca tinha ouvido falar dessa tal de hanseníase, mas o doutor me mandou tratar aqui em Santa Isabel. Os outros ficaram com medo de vir”, conta. Pés e mãos dormentes, o idoso permanece internado na ex-colônia desde 1993.
Atualmente, a hanseníase tem cura e não é mais cercada pelo estigma, preconceito e retirada do convívio social que marcaram a vida de pessoas que contraíram a doença no passado. Mas ela continua presente no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, a prevalência da hanseníase (medida pelo número de pessoas em tratamento) no Brasil foi 1,27 por 10 mil habitantes em 2014, sendo que, em 2004, a prevalência era de 1,71 por 10 mil habitantes (redução de 25,7% em 10 anos). Ainda segundo o Ministério, a taxa de cura da doença no país foi de 84% em 2014, sendo em que uma década antes era de 69,3%. Em Minas Gerais, de acordo com dados da Secretaria de Estado de Saúde, houve em média 1.400 casos novos a cada ano nos últimos cinco anos. Em 2014, foram notificados 1.187 casos. Uma constatação foi que 1,7% dos novos casos foram diagnosticados com deformidade, indicando um percentual ainda elevado de diagnóstico tardio.
O sinal de alerta contra a hanseníase está ligado em Curral de Dentro, de 6, 9 mil habitantes, município carente do Norte de Minas, considerado como endêmico para a enfermidade. Em 2015, foram notificados três novos casos da doença no município. Entre os casos está o do servente de pedreiro “Marcelo” (nome fictício), que recebeu o diagnóstico no início do ano. “Apareceram umas manchas e uns caroços nas minhas pernas”, diz o jovem. Um irmão dele também foi acometido pela hanseníase e conseguiu se curar.
A hanseníase, do contágio ao tratamento e à Cura
A doença
A bactéria Mycobacterium leprae, responsável pela hanseníase, foi descrita por Gerhard Hansen (nome do cientista que deu origem à palavra hanseníase), em 1873. A transmissão se dá por meio de espirros e tosse, por exemplo, de uma pessoa doente e sem tratamento. A bactéria não é muito contagiosa e depende de um contato íntimo e prolongado com o doente que não foi tratado.
Sintomas
Os principais sintomas são manchas avermelhadas, esbranquiçadas ou amarronzadas no corpo com diminuição ou perda de sensibilidade ao calor, tato e à dor; caroços avermelhados às vezes doloridos; sensação de choque com fisgadas ao longo dos braços e pernas; áreas com diminuição de pelos e suor; e o engrossamento do nervo que passa pelo cotovelo, levando à perda da força do quinto dedo da mão.
Tratamento
A hanseníase provocava muitas mutilações, o que explica o estigma que acompanhou a doença. Na falta de tratamento, o bacilo provoca uma doença que afeta a pele, os olhos, os nervos e os órgãos internos. De 20 anos para cá, o antibiótico rifampicina mata 90% dos bacilos presentes no organismo com uma dose única. Essa droga também é usada no tratamento da tuberculose.
Cura
A hanseníase tem cura. Às vezes, porém, os doentes ficam sem diagnóstico nas áreas em que o acesso ao serviço de saúde é difícil, ou porque não procuram os médicos. O Brasil ainda é o campeão mundial de prevalência de hanseníase. O tratamento é gratuito e inclui um coquetel de antibióticos, podendo durar até um
ano e meio.
Extinção
Algumas das estratégias adotadas pelo Ministério da Saúde para tentar eliminar a hanseníase são ampliar a oferta de serviços de diagnóstico e tratamento e intensificar a busca de casos em crianças e em áreas com maior incidência da doença, como Mato Grosso, Maranhão, Tocantins, Rondônia, Pará e Goiás. A doença é considerada extinta no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Norte e Alagoas, além do Distrito Federal.
Contágio
Como o tratamento é quase uma garantia de que o indivíduo não transmitirá mais a doença, porque 90% dos bacilos desaparecem com a primeira dose do antibiótico, não há necessidade de campanhas para evitar o contato com os doentes.
Baixa renda
A manifestação da hanseníase depende muito do sistema imunológico do indivíduo que entra em contato com a bactéria. Más condições nutricionais, sociais e de higiene interferem na resposta e eficiência desse sistema. Por isso, a doença é mais prevalente na população
de baixa renda.