Jornal Estado de Minas

'Em relação à doença nada mudou no Brasil', diz Ney Matogrosso sobre a hanseníase

“Vim com minha mãe e quatro irmãs. Só eu me salvei”.
Flaviana Rosa, 83 anos

Com a memória em sombras, Flaviana mal se recorda do próprio nome. Tampouco sabe dizer há quanto tempo chegou à Colônia Santa Isabel. Nesses anos, sofreu demais. A doença levou embora a mãe e quatro irmãs. Seus cabelos ainda estão negros, aos 83 anos, mas ela se parece mais com um bebê, encolhida em posição fetal na cama. Carente, abraça sua boneca e a gatinha de pelúcia, únicas companheiras. Ela já não recebe visitas.

Desolada, pede para que lhe ajeite a touca na cabeça, pois sente frio. “Deus te pague”, agradece, falando baixinho.

O cantor Ney Matogrosso nunca teve medo de pronunciar lepra no lugar de hanseníase. “É preciso combater a doença, e não uma palavra. Sempre falei assim e, com o tempo, passaram a não se incomodar mais com isso”, diz o artista, que, há 13 anos, se engajou numa campanha em prol da Colônia Santa Isabel, atual Casa de Saúde Santa Isabel, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A visita do cantor à instituição ganhou repercussão e foi noticiada pelo Estado de Minas em 7 de maio de 2002, quando ele denunciou a omissão, por parte das então autoridades federais, na erradicação da doença no país. Na época, o Brasil registrava 45 mil novos casos de hanseníase por ano, o que significa um a cada 12 minutos.

O ingresso de Matogrosso na campanha começou de forma curiosa. Pouco antes da decisão do cantor, o ator Ney Latorraca disse em entrevista que deixaria sua herança para os hansenianos e soropositivos.
Confundindo o nome dos dois artistas – “sempre acontece de trocarem nossos sobrenomes” –, os organizadores da ação telefonaram para o cantor pedindo sua participação. Convite feito, convite aceito e Ney se tornou voluntário do Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas por Hanseníase (Morhan), fazendo a narração do documentário Aqui estaremos bem, produção sobre a ex-colônia e a vida dos internos. Por telefone, Ney falou ao EM.

O que mudou neses 13 anos?
Quando entrei na campanha, fiquei impressionado ao saber que, mesmo com a cura da doença, ainda havia tantos leprosos no país. O Brasil era medalha de ouro em hanseníase! Hoje, fico impressionado por não haver um movimento para acabar com essa doença. Em relação a ela, não mudou nada. O governo pagou uma indenização aos leprosos, mas não houve combate à doença.

Como foi sua atuação nessa campanha?
Falei sobre o assunto com o ministro José Serra e com o penúltimo ministro da Saúde. Mas depois me afastei da campanha, cansei de dar murro em ponta de faca. Chamei muito a atenção para a questão da lepra em entrevistas.
Aliás, sempre falei lepra. No início, muita gente ficava incomodada, depois pararam de se importar.

Você aprendeu muito sobre o assunto...
Fundamentalmente que é uma doença que acomete principalmente os pobres. Não é que gente de classe média esteja totalmente protegida, mas é uma enfermidade muito relacionada à falta de higiene. O contágio é pela respiração, então há muita gente, famílias inteiras, vivendo num quarto. Gente pobre não rende voto!

Com a experiência, qual é seu alerta?

A doença não está erradicada no Brasil. As pessoas devem ficar atentas: se você tiver um sinal vermelho com a borda esbranquiçada, tocá-la com um alfinete e não sentir nada, é preciso procurar imediatamente um posto de saúde..