Jornal Estado de Minas

Dois tempos unidos pela dor da hanseníase

A Casa de Saúde Santa Isabel e o Bairro Citrolândia se confundem, e, andando pelas ruas, é impossível não juntar dois tempos dessa história, principalmente quando se veem os antigos pavilhões, hoje transformados em ambulatórios, núcleo de ensino e pesquisa, farmácia, áreas administrativas e laboratório; a igreja dedicada a Santa Isabel da Hungria, o Cine Teatro Glória e outras construções, frutos do projeto urbanístico do engenheiro sanitarista Lincoln Continentino.

No Memorial José Avelino – José Bicas, criado em 2006, há fotos dos internos na década de 1930 nos leitos e outras retratando o cotidiano, moldes de calçados feitos na sapataria, instrumentos musicais, macas, maquetes, cadeiras de rodas e outros objetos que ajudam a contar esta trajetória de mais de 80 anos. As ruínas da antiga enfermaria dos homens já estão sendo reformadas, com o objetivo de erguer o primeiro museu sobre a hanseníase do Brasil. A instituição terá o nome de Luiz Veganin, artista que viveu em Santa Isabel e pintou a histórica via- sacra dos hansenianos.

“O Japão foi o primeiro país a abrigar um museu de referência da hanseníase e a indenizar seus internos, seguido do Brasil. Ainda há colônias fechadas na Rússia, por exemplo”, compara Thiago Flores, diretor em Minas do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), entidade brasileira sem fins lucrativos que é referência internacional na área.

Mas a colônia, que recebeu até estrangeiros, não era só estigma e isolamento para impedir a contaminação, o que configurava uma política global nas primeiras décadas do século passado. Era uma cidade e “tem um patrimônio arquitetônico e documental a ser preservado”, diz o cirurgião-dentista Marco Túlio de Freitas Ribeiro, pós-doutorando em saúde coletiva na UFMG. No consultório onde atende antigos internos da colônia, ele acredita que a conservação, nesses espaços, preservará “a memória e a história da saúde”.

“Se estivéssemos nos anos 1960, você não poderia falar comigo, tudo era muito vigiado. Rapaz sadio nunca fazia bonde (namorava) com moça doente. Na verdade, não se podia nem pensar em rapaz sadio”, conta  Queiroz, ilustrando o clima de segregação e medo que imperava na área cercada por correntes, constantemente sob os olhos dos guardas a fim de impedir fugas, e em parte delimitada pelo Rio Paraopeba.


Mesmo com tanta segurança, muita gente burlou as barreiras e preferiu o suicídio nas águas do Paraopeba a continuar privado da liberdade e sem esperança de cura. Há relatos também de maus-tratos, de crianças apanhando no Preventório, o pavilhão para abrigá-las e mantê-las apartadas dos pais. Nas décadas de 1980 e 1990, a colônia passou por crises sucessivas, chegando a ter apenas arroz e feijão no prato de quem já se alimentava de poucas esperanças para sobreviver.

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Número de colônias criadas no Brasil para tratar portadores de hanseníase

Patrimônio ameaçado

O coordenador nacional do Movimento pela Reintegração dos Atingidos pela Hanseníase (Mohran), Artur Custódio, denunciou a ameaça de demolição das casas de 25 ex-internos da ex-colônia de Santa Marta, em Goiás, e de outras colônias brasileiras. Em junho passado, representante do movimento conseguiram uma reunião na Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra (Suíça), para falar sobre a situação dos antigos leprosários brasileiros. Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, durante o século 20 o Brasil teve mais de 100 asilos desse tipo..