Nas notas de um dos jesuítas que melhor descreveu a economia do Brasil colonial no século 17, o toscano André João Antonil, os caminhos que bois, cavalos e homens trilhavam até Minas Gerais, partindo da “Vila de São Paulo” e das “cidades da Bahia e do Rio de Janeiro”, se anovelavam numa malha intrincada e de difícil acesso pelas montanhas produtoras de ouro. Essenciais ao desbravamento do estado, essas vias se tornaram obsoletas com o automóvel e o transporte público, mas ainda há picadas, como aquelas permeando o cerrado, os campos rupestres e os vales mais inóspitos da capital mineira. Passagens que não levam apenas a mirantes, mas desvendam também santuários arqueológicos, reservas de nascentes, refúgios da vida selvagem, espaços de cultos e oferendas. Para mostrar o contraste entre esses caminhos pouco conhecidos e a muralha urbana que os cerca, a reportagem do Estado de Minas percorreu trilhas da capital mineira que podem conduzir a agradáveis passeios familiares, mas também a aventuras por trechos de acesso perigoso e restrito.
RUÍNAS Mesmo num local de difícil acesso, a ruína sofre degradação, pois muitos pilotos de motocicletas fora de estrada derrubaram seções da muralha para passar com seus veículos. Os rastros dos pneus escavados na terra se tornam valas para enxurradas que abalam e desmoronam os blocos de pedra seculares. E essas pedras também acabaram sendo desmontadas para que pessoas possam professar seus cultos. Servem de material para traçar uma dúzia de círculos grandes em volta de árvores e com altares bem no centro, onde ainda se encontram papéis com os pedidos de fiéis. Num deles, com vários erros de português, o pedido é: “Deus, me dá um emprego”.
De lá em diante, outra trilha mais difícil e perigosa, de 5,7 quilômetros, segue na direção dos limites com Sabará e Nova Lima e leva à sequência de seis túneis que formam as ruínas da Ferrovia do Aço, uma estrada de ferro que é monumento ao desperdício, pois nunca trouxe nem um grama sequer de metal do Vale do Aço para a região. O risco de escorregamento é alto, uma vez que o topo da serra serve de passagem e não passa de dois palmos de largura entre alguns despenhadeiros. Em pontos mais altos, a trilha é descontínua, o que obriga a escalar rochas ou a descer paredões para contornar as falhas.
Do alto se avista a cidade, mas o som dos motores dos carros não chega até a trilha. Em vez disso, é o sussurro dos ventos lambendo as folhagens do matagal e os pios dos pássaros que embalam o ânimo da caminhada. Na descida por picadas alargadas pela passagem das motocicletas de cross, as copas de árvores floridas se juntam no alto formando arcos naturais. Quando se atravessa as trilhas, o retorno pelo mesmo caminho é praticamente impossível. Mas vale a pena ver de perto os túneis da ferrovia, atualmente bloqueados por rochas e alagados pela água da chuva. A volta precisa ser feita pela estrada de uma mineradora, até o Taquaril, por mais 3,5 quilômetros de subidas leves. De acordo com a FMC, as muralhas da Serra do Curral ainda não foram tombadas pelo patrimônio de BH, mas estudos nesse sentido são realizados.
COMO IR Para percorrer a trilha de 2,7 quilômetros no Parque da Serra do Curral, interessados devem fazer agendamento prévio pelo (31) 3277-8120. Há limitação do número de integrantes nos grupos. Os passeios começam às 8h15 e têm duração estimada de 3 horas, passando por sete mirantes e terminando no Parque das Mangabeiras.