“Quando nasci, disseram que seria chamado de Lázaro para não adoecer mais gente da família”
(Lázaro da Silveira, de 77 anos, internado desde os 7)
Lázaro da Silveira, de Carmópolis de Minas, foi o único da família a carregar a pecha daquela doença de nome feio, quase um palavrão. Os familiares morreram de outras doenças. Entre todos, restou Lazinho, ironicamente. Ele chegou à Colônia Santa Isabel no trem de ferro, no município vizinho de Mário Campos. “Ô dona, esse menino precisa ir para Betim. Ao explicar o motivo, a pessoa disse aquele nome horroroso da doença, que batia na gente feito uma chicotada”, conta ele, passados inacreditáveis 70 anos. Foi um dos garotos a inaugurar o pavilhão de crianças, que brincavam de bola e levantavam cedo para ir à missa.
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Venha conosco cruzar esse portal do tempo e conhecer mais de perto os depoimentos dos últimos 46 sobreviventes de Santa Isabel, com idade média acima de 70 anos e 29 anos de afastamento da sociedade, com a perda de vínculos e referências familiares. “Aproveitem para pegar nas mãos da moça, ela está querendo nos cumprimentar. Vamos lá, gente”, diz o interno, como se apertos de mão estivessem em promoção naquele dia. Era o gentil Severiano Sousa, de 77, cuja docilidade contraria o apelido de Severo. Está internado desde 24 de agosto de 1966, data do seu novo nascimento.
Ainda hoje permanece a carência dos pacientes por afeto. “Eu só queria um abraço”, entrega Maria das Dores Moreira, de 57, a Dadá, afastada do colo da mãe aos 5 anos, com suspeita de hanseníase. “Sabia que a Dadá nunca teve a doença? Descobri isso há alguns meses”, explica o médico Getúlio Ferreira de Morais, eleito este ano diretor-geral da ex-colônia. Ele mesmo conta ter sofrido uma espécie de discriminação da própria família.
Delmiros, severianos e marias resistiram aos piores sofrimentos, tornando-se testemunhas de um passado que não deve ser esquecido. São remanescentes de uma época em que a doença não tinha cura, sofreram terríveis sequelas no corpo, mas principalmente na alma. A Colônia Santa Isabel chegou a abrigar 3,5 mil pessoas. “Era uma época em que os pacientes vinham trocar curativos sem necessidade. Era a única maneira de conseguirem ser tocados no corpo ferido. Até os médicos faziam as consultas a distância. Existia uma carência absoluta por contato físico”, explica uma enfermeira, filha adotiva de um casal de hansenianos.
É preciso lembrar que as portas da Colônia Santa Isabel estão escancaradas para permitir a entrada (e a saída) de qualquer um, hanseniano ou não.