"Pedia a Deus todos os dias para ficar doente e, com isso, poder ficar junto da minha mãe dentro da colônia" - Zenaide Silva, de 69 anos, internada desde os 11
Famosa pelos quitutes, a salgadeira Zenaide tinha apenas 8 anos quando a família recebeu a visita da polícia sanitária, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. “Buscaram só ela. Eu, meu pai e meu irmão ficamos para trás”, lamentou a menina, levada todo mês pelo pai para fazer o exame de detecção da hanseníase. Ao chegar do serviço, o pai examinava atentamente as duas crianças, tentando encontrar sinais da doença. “Quando tinha 10 anos, finalmente apareceram carocinhos atrás da minha orelha. Fiquei alegre, porque morria de saudades da mamãe. Tudo o que eu queria era estar perto dela.”
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Conhecida internamente como Dadá, Maria das Dores era ex-interna da Pupileira Hernane Agrícola, no Bairro do Horto, na Região Leste de BH. No lugar, eram permitidas visitas das mães, desde que fosse mantida distância mínima de 100 metros, separadas por cerca de arame farpado. Mesmo assim, a mãe de Dadá levou dois anos até conseguir localizar a filha e ter autorização para visitá-la. “No dia da visita, minha irmã conseguiu contrabandear o retrato da nossa mãe por baixo da cerca.
Passados quase 90 anos desde a inauguração de Santa Isabel, em 1931, filhos e netos de portadores da doença estão dispostos a revelar detalhes de suas histórias, que beiram o desespero. Os depoimentos são estarrecedores. Sob o estigma da lepra, gerações inteiras cresceram sem colo de mãe, laços de família foram cortados e irmãos viveram como estranhos. “Quando contei meu caso, o (então presidente) Lula chorou junto comigo”, conta a moradora da ex-colônia Antônia Barroso, hoje com 80 anos. Em 2007, dona Antônia estava presente na delegação de 130 pessoas ligadas a movimentos de luta pelos direitos dos hansenianos que foram a Brasília para forçar uma agenda com o presidente.
No Palácio do Planalto, Antônia relatou sua espinhosa trajetória de vida. Há quase 40 anos havia sido levada à força de casa e internada pela polícia sanitária. Havia sido denunciada pela mãe, que se negou a conviver com Antônia e nunca visitou a filha. Na época, ela estava grávida. Ao saber do diagnóstico de hanseníase, o marido cometeu suicídio poucos dias depois.
Vida hoje é melhor
Na condição de internos, recebem do estado atendimento preferencial de saúde, transporte interno gratuito e alimentação. Depois da reparação governamental, recebendo indenização, muitos se dão ao luxo de recusar a comida do hospital e encomendar marmitas em Betim, para variar o cardápio.
Outros aproveitaram o valor da indenização acumulado entre o período de internação até 1986 para investir na reforma das casas construídas em Citrolândia, trocar de carro ou ajudar os filhos. Segundo os relatos, os valores variaram de R$ 2 mil a R$ 150 mil, proporcionais ao tempo de internação. “Nosso desafio é continuar prestando assistência de qualidade aos portadores da doença e garantir que, daqui a mais 30 anos, 60 anos, nossa história chegue às gerações futuras”, defende Arthur Custódio, presidente do Mohran nacional..