Depois de localizar e apreender os dois adolescentes suspeitos de matar o delegado Vanius Henrique de Campos, de 43 anos, em um posto de gasolina no Bairro Cidade Jardim, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, no sábado, a Polícia Civil investiga agora se houve participação de terceiros na fuga da dupla. Caso a hipótese se comprove, os cúmplices podem responder por crime de favorecimento pessoal. T.H.S.S. e V.K.S.Q.S., ambos de 17 anos e conhecidos como Tallibam e Bubu, respectivamente, foram detidos por volta das 12h30 de ontem, na zona rural de São Joaquim de Bicas, Região Metropolitana de BH. De acordo com o chefe da Delegacia de Homicídios Sul, Frederico Abelha, os menores foram localizados em uma estrada cercada por pastos e não resistiram à apreensão. Ao defensor deles, o advogado João Paulo Machado Rodrigues Cardoso, os dois disseram ter agido em legítima defesa.
Na noite de ontem, os menores passaram por exame de corpo e delito no Instituto Médico Legal (IML) e foram apresentados à juíza Valéria da Silva Rodrigues, da Vara Infracional da Infância e Juventude, que determinou que os adolescentes permaneçam acautelados até o julgamento. Eles foram encaminhados ao Centro de Internação Provisória (Ceip) Dom Bosco.
Para chegar à identificação do local onde os suspeitos estavam escondidos, a polícia voltou ontem ao Morro do Querosene, onde T. e V. residem, e disse ter colhido novas informações com familiares e moradores do aglomerado da Região Centro-Sul. Os dados se somaram ao trabalho do setor de inteligência da corporação e, diante da confirmação de que os adolescentes estavam na cidade da Grande BH, a família fez contato telefônico por meio de terceiros, informando a eles que não adiantava mais fugir, porque a polícia já os havia localizado. Além da equipe da Homicídios Sul, policiais do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) participaram do trabalho de busca. Familiares, advogados e a presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, Cirlene Lima, acompanharam o trabalho. Após a apreensão dos adolescentes, com base em informações apuradas no Morro do Querosene e com o apoio dos advogados, os policiais recuperaram a arma de uso pessoal do delegado, uma pistola Taurus PT-738 calibre .380, que estava em um local ermo, dentro de uma bolsa.
De São Joaquim de Bicas T. e V. foram levados em comboio policial para a Delegacia Especializada de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (Dopcad), no Bairro Sagrada Família (Leste de BH), onde prestaram depoimento. De acordo com a delegada-chefe do órgão, Elisabeth Dinardo, o histórico de envolvimento em atos infracionais dos dois seria levantado, bem como a dinâmica do homicídio. Segundo um parente, V. já cumpria medida socioeducativa por porte ilegal de arma e ambos seriam usuários de maconha.
Um dos pontos a ser esclarecido nas investigações é se os dois menores estavam extorquindo clientes da loja de conveniência do posto de gasolina, o que teria motivado a confusão entre o delegado e a dupla. Testemunhas que estavam no local no momento do homicídio descartam essa possibilidade e garantem que os dois conheciam a pessoa que estava no comércio, a quem haviam pedido uma garrafa de uísque.
Apesar de as câmeras de segurança da loja de conveniência terem registrado o início da confusão, os tiros ocorreram em um ponto fora do alcance do sistema de monitoramento. Mas, de acordo com o delegado-chefe do DHPP, Osvaldo Wiermann, o adolescente que aparece no vídeo usando camisa verde e que tinha cabelo loiro, o T., foi o responsável por dar golpe conhecido como voadora, que derrubou o policial. V., que visto no vídeo de camisa vermelha, foi quem atirou, ainda segundo o delegado. T. foi encontrado ontem com o cabelo tingido de cor escura.
Advogado alega legítima defesa
Familiares e o advogado dos dois adolescentes suspeitos, o defensor João Paulo Machado Rodrigues Cardoso, afirmam que os menores agiram em legítima defesa ao atirar no delegado Vanius Henrique de Campos, de 43 anos. Segundo ele, o depoimento prestado pelos dois na Delegacia Especializada de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (Dopcad) foi claro: “Houve uma discussão. Uma briga, motivada pelo policial, que desconfiou que os dois estavam furtando ou coagindo pessoas na loja de conveniência. E isso não aconteceu. Eles estavam comprando e, em determinado momento, falaram com uma pessoa que estava no posto que era conhecida deles. Haviam pedido um litro de uísque e essa pessoa iria dar, mas isso nem mesmo chegou a acontecer”, afirma o advogado.
Ontem, parentes dos dois acompanharam o trabalho de apreensão em São Joaquim de Bicas e a condução dos menores ao Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA/BH). Um parente que pediu para não ser identificado chegou a dizer que “se não matassem o delegado, seriam eles quem estariam mortos”. Um outro contou que T. não trabalha e tem histórico de desobediência em casa, além de consumir maconha. Sobre a história de vida de T., um parente disse que o menor perdeu a mãe, vítima de uma troca de tiros durante uma confusão numa festa. Na ocasião, a mãe tinha 17 anos, mesma idade que T. tem hoje.
Na época da gravidez, o pai dele não assumiu a paternidade e desapareceu. T. foi criado pela avó, que além de perder a filha adolescente, viu outro filho, de 20 anos, morrer vítima do tráfico de drogas, há 13 anos. O adolescente tem um filho de nove meses com a irmã do parceiro V.. Os dois menores são amigos de infância e vão completar 18 anos em 13 de dezembro. A maioridade, no entanto, não altera eventual punição dos dois, que poderão ser submetidos a medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). De acordo com a delegada-chefe da Dopcad, Elisabeth Dinardo, as penalidades são várias e podem chegar a até três anos de internação, mas vão depender de decisão da Justiça.