A exigência de uso de mão de obra exclusiva de taxistas em aplicativos de conexão de passageiros e motoristas privados animou licenciados do transporte público individual e seus agregados, mas provocou a reação dos atuais condutores parceiros da Uber, que tiveram de investir em veículos, tecnologia e apresentação. A regra consta no projeto de lei confeccionado ao fim de 40 dias pela comissão da Câmara Municipal de BH que avalia uma regulamentação para o setor de transportes. Participaram das consultas para a confecção do projeto de lei, além dos vereadores, profissionais da BHTrans, da Polícia Militar, representantes dos taxistas e da Uber. Ontem, o presidente da Câmara, Wellington Magalhães (PTN) disse à reportagem do Estado de Minas que o principal impacto do projeto é a exclusividade no acionamento de taxistas pelos aplicativos de transporte individual e a liberação de mais 500 placas para veículos de luxo para atender à demanda. O projeto será enviado até terça-feira ao prefeito Marcio Lacerda (PSB), que pode alterá-lo, antes de enviar à Câmara para votação.
O presidente da Casa se manifestou contra o projeto por não entender que a forma como foi colocado atenda aos passageiros que buscaram o aplicativo. “Não há táxis o suficiente na cidade para atender ao aplicativo e às ruas. Não acho que vá representar uma solução”, disse. A repercussão de muitos dos usuários costumeiros da Uber e dos motoristas parceiros do aplicativo também foi negativa. Pelas redes sociais, leitores criticaram a solução encontrada pela comissão. “Não vão melhorar o táxi. Vão é piorar a Uber. Uma pessoa que usa a Uber quer é exatamente não chamar um táxi”, destacou o internauta Daniel. “Não encontraram uma forma de melhorar nada, só de preservar a reserva de mercado dos taxistas, com um serviço que a cidade já mostrou que não gosta ao procurar aplicativos como o da Uber”, afirma o advogado Daniel Vargas, de 33 anos. Ele diz que não utiliza mais os carros licenciados pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) por não gostar da qualidade dos serviços prestados.
Depois de investir R$ 45 mil na compra de um veículo de luxo, de fazer uma carteira de motorista profissional e de apostar em conforto para os clientes, o parceiro da Uber Fernando Nicoli, de 36 anos, afirma que essa solução não contemplaria gente que, como ele, melhorou a forma de as pessoas se deslocarem pela cidade. “Não adianta inserir o taxista na Uber. Eles tinham de passar por uma mudança de mentalidade, uma reciclagem, mas não é esse o foco que têm, pois mesmo com todos os incentivos e descontos para adquirir seus carros, não melhoram o serviço”, afirma. Na opinião dele, um projeto como esse deve ter forte rejeição da população, e, por isso, ele espera que não passe pelo crivo dos vereadores ou seja alterado pelo prefeito.
Para os taxistas ouvidos pela reportagem, a forma encontrada pelos vereadores para regulamentar os aplicativos é a mais sensata. “Quem tem licença para transportar passageiros em BH são os taxistas. Por isso, qualquer aplicativo tem de estar integrado ao nosso sistema. Se for mesmo assim, vou aderir também ao Uber”, disse o taxista Guilherme Gabriel Caffaro, de 31.
Mesmo com o ânimo de alguns taxistas, o sindicato da categoria (Sincavir) afirmou ontem que as mudanças recairão sobre os aplicativos e não sobre o sistema de táxis. “Os táxis e taxistas não vão precisar se adequar a nada. São os aplicativos que deverão procurar cumprir o que será exigido na BHTrans e pela lei. Sobre os 500 novos táxis de luxo, nossa proposta é de substituir atuais 250 veículos comuns de licenciados por modelos de luxo, e as empresas trazerem mais 250”, afirma o presidente da entidade de classe, Ricardo Faedda.
Na opinião do especialista em transporte e trânsito Silvestre de Andrade Puty Filho, a animação dos taxistas pode esbarrar nas exigências do aplicativo, que tem sistema de avaliação dos motoristas pelos passageiros e que leva à exclusão dos condutores com notas inferiores a 4,5 em 5 pontos. “A avaliação é o grande apelo que o Uber deu ao passageiro, como uma mensagem de que só os bons podem servir. Sabendo disso, os taxistas terão de melhorar a forma de trabalhar”, prevê. A Uber não comentou o projeto.
Poder questionado
A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Fátima Andrighi afirmou ontem que estados e municípios não têm poder de legislar sobre aplicativos como Uber, distintos do transporte público. “O táxi é transporte público individual, que deve atender de forma universal os passageiros, enquanto o Uber é um transporte privado individual, no qual impera a autonomia da vontade do motorista”, defendeu.