Com uma bala de revólver encravada no crânio, a recepcionista Simone da Silva Peixoto, de 42 anos, respira com alívio por estar viva. Depois de ameaças de morte feitas pelo ex-marido e de uma tentativa de homicídio, ela se recupera do drama de 18 de agosto, quando o ex-companheiro Marcelo Jorge Bassi, de 45, tentou matá-la por não aceitar o fim do relacionamento. Depois de atingi-la, o agressor deu um tiro na cabeça, e não sobreviveu. O crime ocorreu no trabalho dela, no Bairro Novo Riacho, em Contagem, na Grande BH, um dia depois de a vítima ter prestado queixa na Delegacia de Mulheres do município. Outras duas ocorrências policiais já haviam sido feitas em outras unidades policiais, desde o ano passado. Mesmo tendo relatado o medo de morrer, Simone diz que nunca recebeu a visita de um policial para apurar o caso. “Não queria que essa história tivesse esse fim. Sinto que a polícia poderia ter sido mais ágil. Ainda assim, é preciso que as mulheres sempre denunciem as agressões”, diz Simone.
Situação comum nas delegacias de polícia e varas especializadas de atendimento a esses casos, a demora para apuração de agressões domésticas expõe vítimas ao risco de morte.
“Temos milhares de procedimentos e priorizamos os que são mais urgentes. Um empurrão não deixa de ser grave, mas, diante de tentativas de homicídio e mulheres espancadas, temos que deixar o empurrão para depois”, explica Águeda. Oito mil inquéritos, relativos a 2015 e ao ano passado, estão em apuração na Divisão, que conta com uma Delegacia de Plantão de Atendimento à Mulher (Rua São Paulo, 679, Centro) e outras cinco (todas na Rua Aimorés, 3.005), sendo uma delas específica para crimes sexuais.
A delegada admite que o prazo para início da investigação, oitiva do autor e tomada de providências pode ser uma lacuna perigosa, tendo em vista que uma agressão verbal ou ameaça podem evoluir. Apesar de dizer que a delegacia tem feito um grande esforço para atender a todos os casos, referindo-se aos desafios por falta de estrutura, a policial garante que as vítimas são instruídas sobre cuidados para se proteger e que todas as medidas são tomadas de imediato, quando há risco iminente de morte. “Sempre a orientamos a vítima a não andar desacompanhada, oferecemos abrigamento quando ela acredita ser necessário e ajuizamos pedidos de medidas protetivas contra nova investida do agressor”, afirma.
Sobre o aumento de 177,5% no número de ocorrências de violência contra a mulher, a delegada diz que a Lei Maria da Penha (11.340/2006) criou condições para maior enfrentamento desse tipo de crime, o que encorajou vítimas a procurar mais a polícia. Por outro lado, falta estrutura de apuração dos casos.
LENTIDÃO EM INQUÉRITOS Em Contagem, a falta de estrutura física, material e humana faz com que inquéritos demorem até seis meses para serem concluídos, quando o prazo legal é de até 30 dias. De acordo com a delegada-chefe da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Laise Rodrigues, são nove policiais para dar conta de todos os casos e há ainda falta infraestrutura. “Ainda assim, tentamos dar conta da demanda”, diz a policial que também afirma dar prioridade às ocorrências graves.
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Polícia acredita que conscientização de agressores pode diminuir violência contra mulheresMinas tem média de 47 mulheres assassinadas por mês em 2015, revela pesquisaMovimento pede criação de delegacia especializada de mulheres em Ouro PretoLacerda veta projeto de lei sobre vagas nas escolas para vítimas de violência domésticaTanto Laise, quanto Águeda afirmam que a falta de estrutura e o quadro deficitário de servidores foram expostos à chefia da Polícia Civil, que, segundo elas, tem se mostrado sensível à demanda.
ACÚMULO DE PROCESSOS A situação de arrocho para punir crimes praticados contra mulheres não se resume às unidades policiais. A Justiça também lida com falta de varas especializadas no atendimento a esses crimes no estado.Nas que existem, o número de processos é altíssimo, de acordo com a desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Evangelina Castilho. Segundo a magistrada, que está à frente da Coordenaria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, há 175 mil processos ativos em Minas relacionados a agressões contra mulheres. O montante é muito superior às 88 mil ações existentes no estado em agosto do ano passado. Em BH, segundo ela, são 43 mil processos em tramitação, dos quais 20 mil referentes a medidas protetivas e procedimentos que ainda nem mesmo começaram
a tramitar.