Jornal Estado de Minas

Igreja do século 18 agoniza por falta de manutenção em Sabará


Um dos símbolos do patrimônio histórico de Minas Gerais, ponto de visitação de turistas e de grande procura por noivas e noivos de várias partes do estado e até do país, a Igreja de Nossa Senhora do Ó, em Sabará, na região metropolitana, está em risco. Parte do piso está cedendo e três bancos ao fundo da lateral direita foram interditados há menos de um mês. Do lado de fora, também na lateral direita, parte do beiral está comprometida e o telhado inclinou. Danos graves e de risco iminente que se juntam a outros problemas já existentes há mais tempo, como infiltrações em diversas partes da edificação, e revelam a necessidade de urgente reforma. O que tão cedo não vai acontecer, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iphan-MG), porque a igreja não integra a lista das contempladas para receber recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas. A situação tende a se agravar com a chegada do período de chuvas.



“Aqui a gente vai sofrendo em série. A cada dia aparece um problema”, relata a recepcionista da igreja, Marília Viana. Ao abrir das cortinas vermelhas localizadas atrás da porta de entrada, o espetáculo da beleza barroca do século 18 perde o brilho para o desgaste do tempo. Logo ao fundo, os três últimos bancos do lado direito foram interditados porque o piso, em tábua corrida, tende a ceder. Basta pisar leve para se ter a impressão de que o assoalho vai afundar. Ao lado dos mesmos bancos, os buracos e frestas entre a parede e o piso agravam a sensação de que a lateral direita da igreja está se inclinando.

Outro indício está mais à frente, quase próximo ao altar: o friso lateral da parede, do lado direito, está rente à fileira de bancos, enquanto do lado esquerdo está a cerca de 10 centímetros dos bancos. Segundo Marília, relatos da história dão conta de que a inclinação teria começado no fim dos anos 1920, quando um padre resolveu abrir uma porta e uma janela. Tempos depois, a igreja foi recuperada e a parede voltou a ser fechada, inclusive com a restauração das telas laterais, mas a estrutura já tinha sido abalada.

Com as infiltrações, parte do piso do templo está corroída. Na lateral direita, o beiral do telhado inclinou e há risco de desabamento (foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)

“Quando chove, a enxurrada desce da rua, para na parede da lateral direita e se infiltra. A água vai entrando por baixo. Por isso, o lado direito apodreceu todo”, relata um dos integrantes do Conselho Pastoral Paroquial, Francisco Teixeira da Fonseca, observando outra provável causa do abalo. Francisco mora quase em frente à igreja e faz parte ainda do Conselho da Comunidade. “Toda a água da chuva entra por esses buracos também formados pelas pedras (calçamento da rua e de todo o entorno da edificação). Aqui há necessidade de uma canaleta urgente”, opina. Olhando para cima, a feição de Francisco revela preocupação, ao apontar a inclinação do beiral e perigo de desabamento do telhado: “Se começar a cair, cai tudo. Isso aqui está perigoso”.



Há quase um mês, bancos do fundo da igreja foram interditados para evitar acidentes com os fiéis (foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)
ESCADA Mas não é só o lado direito da Igreja de Nossa Senhora do Ó que parece estar ameaçado. Dentro da Sacristia, que fica do lado esquerdo da edificação, um formigueiro já acabou com parte do piso em um dos cantos, e outros buracos são vistos através do assoalho. Também a escada que dá acesso ao púlpito sofreu um descolamento e está afastada da parede. “O pessoal do Iphan já fez uma avaliação. A gente acha que aqui também está afundando, pois não há trinca nenhuma na parede”, conta Francisco.

Por dentro, as telas históricas estão escurecendo e de algumas já faltam pequenas partes, que provavelmente se desintegraram. A iluminação é pouca – mesmo para um ambiente barroco do século 18 – e toda a edificação precisa de pintura. “A iluminação aqui poderia ser mais atualizada. É difícil encontrar lâmpadas porque não é qualquer uma que fica bem. As eletrônicas, por exemplo, não podemos colocar porque (a iluminação)perde a característica”, acrescenta. De acordo com o integrante do Conselho Pastoral, há problemas de infiltração também no teto, chegando a haver goteiras quando chove. Uma reforma, segundo ele, foi feita há alguns anos, em metade da igreja, da parte central até o altar, com ajuda financeira da própria paróquia e da comunidade. “A gente sonha com um projeto bacana de restauração. E principalmente de iluminação. Se fizessem isso, já valorizaria muito, porque a iluminação é muito pobre”, completa Marília Viana.

Há cerca de um ano e meio à frente da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição e consequentemente da Igreja de Nossa Senhora do Ó, o padre João Carlos da Silva considera que os problemas são decorrentes do desgaste do tempo. “Não é displicência dos órgãos públicos nem dos meus antecessores”, pondera. No entanto, ele avalia que a situação vem piorando. “Na entrada, perto da porta, colocamos uma fita por nossa conta porque dá a sensação de que vai afundar”. O padre conta que, a exemplo do que já ocorreu há alguns anos, havia a intenção de se fazer nova reforma com recursos da paróquia. “Íamos fazer por nossa conta, porque eles (o poder público) demoram muito. Mas com essa discrepância do real em relação ao dólar, e dependemos do dólar, ficou inviável. Agora não damos conta mais”, afirma.



Saiba mais - Obra barroca

A Igreja Nossa Senhora do Ó foi construída entre 1717 e 1720, sofrendo, portanto, forte influência da primeira fase do Barroco, presente no início do século 18. Por dentro, é toda entalhada em madeira e revestida em diversos pontos com folhas de ouro. Também chamam a atenção as denominadas chinesices, termo derivado da palavra francesa chinoiserie, que indica o conjunto de pinturas que recriaram, em igrejas e capelas de Minas, os pagodes ou pagodas (tipo de torre com fins religiosos comum na China e em outros países da Ásia), animais e paisagens de origem oriental. Nos painéis laterais, os personagens têm olhos amendoados (ou levemente puxados) e no arco-cruzeiro, que separa o altar da nave da igreja, pagodas e paisagens chinesas estão pintadas nas telas.

Exclusão em duas versões

A Igreja Nossa Senhora do Ó é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, para ser restaurada o mais breve possível, é necessário que esteja incluída na lista dos bens patrimoniais contemplados para receber recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas, o que normalmente é feito pelas prefeituras. Mas versões do Iphan-MG e Prefeitura de Sabará são contraditórias.

De acordo com a assessoria de imprensa do Iphan-MG, não há previsão de reforma, porque a edificação não consta na lista de obras enviadas pela Prefeitura de Sabará para receber os recursos do PAC Cidades Históricas. E obviamente os esforços se concentram em atender primeiro às demandas dessa lista. Ainda segundo o Iphan-MG, as informações passadas pela reportagem sobre o estado da igreja serão enviadas ao setor técnico responsável “para que seja feita uma vistoria, tão logo seja possível”.



A Prefeitura de Sabará informa que, de acordo com a gerência de Patrimônio da Secretaria de Cultura de Sabará, a Igreja Nossa Senhora do Ó estava, sim, inserida na lista de prioridades para as reformas do PAC, desde os primeiros contatos entre a prefeitura e o Iphan. Segundo a administração mucipal, foi encaminhado também um laudo técnico feito pela Defesa Civil da cidade informando da necessidade da reforma. Mas a seleção das obras contempladas foi feita diretamente pelo Iphan e a igreja não foi contemplada. Em 2014, a prefeitura enviou novo ofício ao Iphan solicitando soluções para a situação, mas não obteve resposta.

Enquanto prefeitura e Iphan não se entendem, a Defesa Civil de Sabará afirma que foi contatada por responsáveis pela igreja e está com vistoria agendada no local para sexta-feira. No fim do ano passado, a corporação já havia enviado um relatório ao Ministério Público sobre a situação não só da Igreja Nossa Senhora do Ó, mas de outros templos de Sabará tombados pelo patrimônio histórico. “Tenho quase certeza de que de lá para cá nenhuma obra foi feita nessa igreja. E se demorar muito, vamos perder o patrimônio”, observa o tenente Marcelo Oscar de Queiroz, coordenador da Defesa Civil de Sabará. Na mesma época, uma perícia foi pedida pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Histórico de Sabará. E em 13 de junho deste ano, a promotoria instaurou um inquérito, com o objetivo de apurar o estado de conservação da igreja. Mas até o momento não consta no sistema do MP nenhum andamento para o inquérito. A promotora responsável pelo caso, Marise Alves da Silva, não pôde falar com a reportagem ontem.