“Mãe sente, mãe sabe. Eu falei com a minha patroa ontem, 'não tô gostando dessa história'. Eu cheguei hoje de manhã e falei com ela, 'tem um corpo na Cristiano Machado, pode ser o do Webert'”. O desabafo é da cuidadora de idosos Wanda de Fátima, de 57 anos, mãe do fiscal de ônibus Webert Eustáquio de Souza, de 33, morto a tiros em um coletivo da linha 1502 (Vista Alegre - Guarani) na manhã desta quinta-feira em um ponto da Avenida Cristiano Machado, altura do Bairro Ipiranga, Região Nordeste de Belo Horizonte. Outras duas pessoas foram atingidas. O assassino fugiu.
Webert era o único filho de Wanda. Eles moravam na mesma rua, no Bairro Tupi. Na noite de ontem, horas antes do crime, ele havia feito um pedido simples para a mãe: que comprasse dois bifes pra ele. Ela estranhou, disse que Webert não costumava comer isso, mas comprou. Eles ficaram na geladeira.
Wanda estava a caminho do trabalho de ônibus quando passou em frente ao ponto de ônibus, ao lado do Hotel Ouro Minas, sentido Centro, e viu a movimentação de policiais e o coletivo parado. Passageiros disseram que um fiscal havia sido assassinado. Imediatamente ligou para o celular do filho, que não atendeu. Com as pernas bambas, não conseguiu desembarcar do ônibus. Ela estava servindo o café da manhã no trabalho quando veio a confirmação de que o fiscal morto era seu filho.
Segundo ela, Webert nunca disse ter sido ameaçado, apenas reclamava de algumas situações, mas depois não tocava no assunto. “Essa semana eles puseram pra trabalhar lá no final do Serra e eu falei 'cê não vai não'. Agora, foi aqui, moça, oh”, diz, apontando para a avenida. Com o olhar perdido, ela pergunta o que vai fazer sem o filho.
Webert deixou esposa e quatro filhos: dois meninos gêmeos, de 8 anos, outro garoto de sete e uma menina de apenas 3. A esposa e a cunhada do fiscal chegaram pouco antes de Wanda. Muito abaladas, preferiram não falar com a imprensa. Webert trabalhava como fiscal há cerca de seis meses e se interessou pelo emprego diante da possibilidade de ajudar a família. Um amigo e colega de trabalho conta que ele comprou um carro há menos de uma semana para fazer um trabalho extra. O veículo teria sido adquirido com ajuda da mãe.
Fiscais reclamam da insegurança
Muitos colegas de profissão de Webert foram para a Avenida Cristiano Machado quando souberam da morte. Um deles, mais exaltado, queria passar pelo cordão de isolamento feito pela polícia e precisou ser acalmado pelos demais. O grupo reclamava da falta de segurança no exercício da profissão e relembrava a rotina com Webert.
“Um excelente profissional, pai de família. Eu era coordenador dele, ensinei ele a trabalhar, abordar as pessoas dentro do ônibus, como fazia. Dar um boa tarde, um bom dia. Uma pessoa risonha, tranquila”, relembra o fiscal de ônibus André Luiz Ribeiro, de 44 anos. “Isso aí a gente fica desnorteado. As pessoas vêm falar mal da gente, mas não sabe o que está acontecendo na rua, no dia a dia”. Os fiscais atuam nos coletivos verificando se há pessoas que não pagaram a passagem e muitas vezes são hostilizados, como denuncia o fiscal. “Temos colete, temos uniforme, mas às vezes a gente é obrigado a trabalhar sem colete e sem uniforme, porque a gente fica muito visado. Por causa disso aí, por causa dessa bagunça”, lamenta Ribeiro. “Tem gente que fala que vai matar a gente, que vai dar tiro na gente, só por causa de R$ 3,10, uma passagem simples. É só pagar, gente. Não tem nada à ver uma coisa com a outra”.
O chefe dos fiscais da linha 1502, Evandro José de Souza, de 42 anos, foi para o local assim que soube que os dois funcionários haviam sido baleados. Muito emocionado, ele falou o que soube no local. “O que me falaram foi o seguinte: que ele entrou dentro do carro (ônibus), pediu para pagarem a passagem, e esse que fez o disparo falou que não ia pagar . O menino falou assim, 'faz o favor de pagar a passagem pra nós, por gentileza'. Aí ele chegou até a roleta e falou 'cês tão merecendo tomar é tiro'”. Os fiscais pediram mais uma vez, e disseram que apenas faziam seu trabalho. “Aí o rapaz sacou a arma e deu um tiro neles. Já foi disparando neles. Agora, o motivo é por causa de R$ 3,10, né? Levar a vida de uma pessoa por causa de R$ 3,10”.
Questionado sobre outros casos de violência na linha, Souza disse que constam vários assaltos e casos de evasão de de renda, que é justamente quando passageiros entram nos ônibus sem pagar. “É aí que entra o nosso serviço. É um serviço terceirizado, para inibir essa situação. Aqueles passageiros que não gostam de pagar passagem e pegar passagem ao desembarcar do veículo”, explica.
ENTENDA O CASO O crime aconteceu pouco antes das 8h, segundo a PM. Uma testemunha, que preferiu manter o anonimato, contou que Webert e o atirador se encontravam na parte da frente do coletivo, quando o fiscal pediu para o suspeito se identificar. Logo em seguida, começou uma discussão entre eles e o assassino sacou a arma, atirando em seguida. A testemunha disse que não conseguiu identificar o assassino e que os fiscais embarcaram no ônibus em um ponto perto do local do homicídio.
A passageira Maria das Graças Martins, de 65, levou um tiro em um dos pés e foi levada pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) para um hospital. Rogério Lopes, de 46, que também é fiscal de linha e trabalhava com Webert no momento do crime, foi atingido por estilhaços das balas e deu entrada no Hospital João XXIII.
(Com Rafael Passos)