Em nome da tradição boêmia de Belo Horizonte, da diversão e dos negócios que ela movimenta, os amantes da saideira nos bares da chamada capital dos botecos festejaram ontem a decisão do prefeito Marcio Lacerda, que vetou na íntegra a Proposição de Lei 78/15, do vereador Leonardo Mattos (PV), que proibia a execução de qualquer tipo de música do lado de fora de bares e restaurantes depois das 23h, mesmo em volume baixo. Para o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Minas Gerais (Abrasel-MG), Fernando Júnior, o veto representa uma vitória para o segmento.
Fernando Júnior avalia que o prefeito agiu corretamente ao vetar restrições a apresentações musicais, lembrando que a Lei do Silêncio em vigor apenas limita o nível de ruído. ”Com a proposta do vereador, não poderia haver mais nada a partir das 23h. Se a música estivesse a 10 decibéis, estaria errado. Se o barulho não está incomodando ninguém, por que proibir a música até mais tarde?”, questionou.
O presidente da Abrasel afirma que o prefeito entendeu que BH é a capital dos bares. “Hoje, temos 18 mil estabelecimentos na cidade que representam 70 mil empregos e geram renda e alegria. Se o projeto fosse aprovado, muitos bares fechariam. Depois das 23h, muita gente sai da faculdade e busca alguma diversão”, reforçou Fernando.
A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos esclareceu que apresentações musicais do lado de fora de estabelecimentos já são proibidas, caso não haja licenciamento, concedido apenas para as chamadas casas de show.
Autor do projeto, o vereador Leonardo Mattos se recusou a comentar a decisão do prefeito, alegando estar extremamente chateado. Disse, no entanto, que a Lei de Uso e Ocupação do Solo de BH está errada, ao considerar bares empreendimentos de pouco impacto. “Os bares estão se transformando em bailes. Pequenos estabelecimentos estão percebendo que transgredir vale a pena. Hoje, conseguem alvará pela internet sem sequer serem vistoriados. A partir de então, passam a aprontar todas”, reagiu o vereador.
Para Mattos, seu projeto seria a materialização da Lei do Silêncio. “A legislação atual obriga o fiscal a ir à casa da pessoa que denuncia poluição sonora para fazer um estudo com o decibelímetro. Mas não é aplicada. Precisamos fazer uma lei para cada área da cidade. Hoje, a mesma lei vale para um ponto deserto e para um grande centro residencial”, disse.
O parlamentar afirma que continuará defendendo a proibição da música em ambientes externos depois das 23h, mesmo abaixo dos limites hoje permitidos. “Não existe música abaixo de 50 decibéis. O músico quer cada vez cantar mais alto e os equipamentos hoje são cada vez mais sofisticados. Eles levam um computador pequeno e já é uma orquestra”, disse Mattos. “Depois das 23h, música só deve ser em área interna e tratada acusticamente.”
Proprietário do Estação Santê, no Bairro Santa Tereza, Região Leste de BH, o produtor cultural Geraldo Rocha, de 40, é contra a restrição à música em ambientes externos, mas defende o respeito aos limites da Lei do Silêncio, para não incomodar a vizinhança. No estabelecimento dele, o músico fica dentro do bar e o som ambiente chega ao público que fica em uma varanda externa.
Sócia do Dalva Botequim Musical, no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul de BH, Mariana Palmeira comemorou o veto. “Somos um bar musical. Se não houver música, o Dalva não existe”, disse, acrescentando que obedece rigorosamente as restrições de seu alvará e da Lei do Silêncio. O sócio dela, Marcelo Campos, avalia que a decisão garante a tradição musical e boêmia da capital. “Tem que existir uma boa convivência entre os bares e a vizinhança. Essa coexistência é saudável para a cidade, mas muita gente abusa e coloca som alto até tarde da noite”, completa. A cantora Elaine Anunnan, que se apresentava ontem no estabelecimento, comentou o veto ao microfone: “Nossa cidade tem a cultura dos bares. E bar pode até existir sem música, mas não tem vida. Música é vida”, disse ela, aplaudida pelos clientes. O estudante de direito João Felipe Tavares concordou: “Música dentro da Lei do Silêncio não prejudica ninguém”.
CULTURA Em seu veto, o prefeito faz citações a artistas mineiros ligados à cultura dos bares na cidade. Como razões para a decisão, o texto assinado por Marcio Lacerda cita que a proposição de lei seria prejudicial à economia e ao patrimônio material e imaterial da “capital mundial dos botecos”. “Os bares e restaurantes da cidade encarnam de modo muito simbólico a alegria, a hospitalidade e a cultura do povo mineiro e constituem, além de uma extraordinária forma de expressão cultural, um potente atrativo turístico, capaz de movimentar a economia local e de consolidar a cidade como espaço ideal para o encontro, o lazer e a qualidade de vida”, diz trecho do texto.
Para o prefeito, “o traço identitário da capital mineira forjou-se ao som da música em todas as suas vertentes, desde o Clube da Esquina, movimento que revelou uma geração privilegiada de compositores e intérpretes, como Milton Nascimento, Lô Borges, Fernando Brant e Beto Guedes, entre outros tantos, até bandas icônicas do cenário do rock’n’roll, como Sepultura, Pato Fu, Skank e Jota Quest. A cidade cresceu em cultura e personalidade, diante de um casamento perfeito entre três de suas maiores paixões: a música, uma boa conversa e uma saborosa comida”, ressalta o texto.
A prefeitura divulgou nota informando que já dispõe de legislação capaz de regular os potenciais impactos de bares e restaurantes. “É fundamental refletir sobre o importante papel que os populares ‘botecos’ exercem para a formação da identidade e do estilo de vida belo-horizontino”, diz a nota.
O POVO FALA: Qual sua opinião sobre o veto à proibição de música depois das 23h nos bares?
“Na minha opinião, a noite só começa depois das 23h. É preciso ter música, mas tudo depende do ambiente.”
Igor Júnior, 33 anos, funcionário de estacionamento
“Acredito que o prefeito vetou corretamente, mas tem que haver limite. Minha diversão não pode comprometer o sono dos vizinhos desses estabelecimentos.”
Virginiana Leite, 59 anos, servidora pública
“Eu acho que a decisão foi correta. Os bares fazem parte da tradição da capital mineira. Bar sem música não tem jeito.”
Murilo Mendes, 21 anos, manobrista
“Acho que pode haver música, mas depois de certo horário ela deve ser regulada, para não incomodar as pessoas.”
Roosevelt Oliveira, 70 anos, aposentado