Belém (PA) – As máscaras cirúrgicas impedem que Jerllyson, de 11 anos, e Eduarda Vitória, de 9, mostrem completamente o rosto, mas, pelo brilho dos olhos e animação, dá para perceber que os dois estão bem. Se em um momento se agarram à cintura da mãe, a dona de casa Cleidelene Louzada, de 35, no outro se ajoelham, se levantam e conversam com os amigos, espremidos na multidão que participa da Adoração Eucarística, na Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém (PA). O encontro religioso, sempre nas noites de quarta-feira, reúne cerca de 3 mil pessoas em orações, cânticos e testemunhos. Cleidelene está certa de que Jerllyson e Eduarda foram salvos da leucemia por milagre de Deus e intercessão de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira do Pará e proclamada “Rainha da Amazônia”.
“O que nos sustenta é a fé. Em sinal de agradecimento pela cura, minha filha sai todos os anos vestida de anjo e de pés descalços na procissão do Círio de Nazaré”, conta Cleidelene, minutos antes de entrar no templo. O cortejo, com mais de 200 anos de história, deve reunir hoje cerca de 2 milhões de pessoas em um trajeto de quatro quilômetros, tendo à frente o arcebispo metropolitano de Belém, o mineiro de Nova Lima dom Alberto Taveira. Muitos desses fiéis são “promesseiros”, pagadores de promessa que fazem seus agradecimentos por escapar de um naufrágio, recuperar a saúde ou conquistar um emprego. Para retribuir, trazem pequenos barcos de madeira, próteses de pernas e retratos. Ontem, o papa Francisco os saudou em mensagem. Na nota, o pontífice pede que Maria “interceda por todos, para que sejam sustentados pela misericórdia de Deus, a fim de suportar os sofrimentos e as fadigas da vida”.
Cleidelene não faz cara de sofrida, mas sabe muito bem das noites que passou em vigília e lembra que “Eduarda sobreviveu a sessões de quimioterapia de alto risco”. Já o menino, adotado, teve a boa notícia, na véspera da Adoração Eucarística comandada pelo padre Geffison Silva: os últimos resultados de exames o tiraram da zona de perigo. “Ele esteve em uma casa de apoio, chegaram a lhe dar apenas uma semana de vida. Não posso deixar de crer que sua vida é um milagre”, afirma a mãe “do coração”.
“Fiz um pedido e fui atendida. Tive um problema sério com um vizinho e ele reclamou na prefeitura”, conta Onilda, enxugando os olhos. De repente, ela abre o papel e mostra o registro de uma multa que lhe fora aplicada. “Felizmente, tudo se resolveu e não precisarei mais pagar. Coloquei Deus na frente e agora vim agradecer à Senhora de Nazaré.”
Com o terço nas mãos, o técnico em manutenção Vanderson Antônio Dias Cavalcanti, de 28, viu sua vida se transformar ao prometer que acompanharia a procissão segurando a corda, um dos ícones da celebração. No meio da multidão, esse é um sacrifício redobrado, que exige coragem do fiel. “Trabalhava no caminhão de lixo e pedi a Nossa Senhora de Nazaré que me tirasse daquela situação. Ela é a poderosíssima divina mãe. É preciso também que cada um faça sua parte e ajude o próximo”, acredita Vanderson. Tudo deu certo e, agora, as mãos calejadas que carregavam sacos de detritos se elevam em agradecimento.
O arcebispo dom Alberto Taveira, há cinco anos em Belém, explica que a devoção a Nossa Senhora de Nazaré, “enraizada no coração do povo da Amazônia”, é uma forma de evangelização. “A piedade mariana aqui é muito forte. Não é possível se referir a Belém do Pará sem falar em Nossa Senhora de Nazaré”, afirma, lembrando que há conversão quando a pessoa é tocada pela graça de Deus. “A evangelização de nosso povo foi feita pelas mãos de Nossa Senhora de Nazaré, das romarias e procissões.”
SONHO E REALIDADE Católico que é católico se mantém fiel ao santo de devoção, mas não custa nada interceder pela ajuda de outro. Com a imagem da padroeira nas mãos, a secretária Michele Barbosa, de 38, residente em Belém, confessa que não deixa de rezar diante da protetora. O costume nunca a abandonou, principalmente quando seu pai teve câncer de próstata, em 2010, e foi se tratar em Fortaleza. Em uma das noites de apreensão, a filha sonhou que entrava numa delegacia e recebia um papel das mãos de uma mulher “que estava de costas, mostrando cabelos negros e longos”. Nele, havia o rosto de um santo.
Com a imagem na memória, ela pesquisou e descobriu que se tratava de São Judas Tadeu, o das causas impossíveis. “Para ser sincera, não tinha conhecimento desse santo, nem sabia como era sua imagem”, conta ela. O certo mesmo é que Michele rezou tanto para ele quanto para Nossa Senhora de Nazaré. Conseguiu bom resultado. “Meu pai agora está bom. Deus fez o milagre”, acredita piamente.
DOSE DUPLA São 11h de uma segunda-feira ensolarada, bem típica desta época, quando as irmãs gêmeas Lisete da Silva Magalhães, professora aposentada, e Liete Mateus, dona de casa, entram na igreja acompanhadas de Camila e Rafael, primos, ambos de 19 anos. Nas mãos, cada um carrega uma vela do seu tamanho, algo em torno de 1,70 metro. Liete fez promessa para o neto ficar curado. Ele esteve internado oito dias com dengue e quase morreu, segundo a avó. “Hoje ele está aqui, olha, são e salvo”, alegra-se. Já Camila, em um pedido feito por Lisete, avó da garota, passou em uma universidade federal. Hoje, cursa farmácia.
Liete conta que não é muito de ir à igreja, prefere rezar em casa, mas mantém acesa a chama da fé. Camila agradece pela intercessão, mas sabe que sem esforço não se consegue nada. Já para Rafael, houve um pouco de tudo: “Bênção e milagre”. Nossa Senhora é uma só, mas não custa nada apelar para outra denominação da mãe de Jesus. “Meu filho Joanito nasceu fraquinho, prematuro, os médicos lhe deram só 12 dias de vida. Então, 'peguei' com Nossa Senhora Aparecida, fiz promessa, e hoje ele está com 34 anos. Na época, morávamos em São Paulo e fui ao santuário, em Aparecida, com meu menino, já com 1 ano, vestido de branco e com uma vela do tamanho dele. Minha fé é muito grande.”
Aconteceu comigo
“Não tenho dúvidas de que a fé cura, por isso acredito piamente em milagres. No ano passado, fui acometido de dores terríveis no peito. Fumava muito e resolvi deixar o vício de lado. Mas só isso não adiantou, então procurei um médico especialista, que me pediu uma série de exames.´Para minha tristeza, estava com uma mancha no pulmão. Era tal a gravidade, que pensei que fosse morrer. Sou carioca, moro há 29 anos em Belém, e pedi ajuda a Nossa Senhora de Nazaré para ficar bom. Prometi que, enquanto tivesse saúde, faria parte da sua guarda, integrada por dezenas de homens. Três meses depois do primeiro exame, voltei ao pneumologista e, para minha surpresa, não tinha mais nada. As dores sumiram, fiquei curado. Esse fato transformou minha família. Meus pais, que não eram muito de missa, hoje a assistem pela tevê. Passei a rezar mais, minha fé saiu fortalecida.”
Hudson Coelho dos Passos, de 38 anos, ator de teatro, residente em Belém (PA) e voluntário da Guarda de Nossa Senhora de Nazaré