No último sábado de agosto, perto das 16h, Mário Eugênio da Mata deu o último bocejo antes de deixar a cama. O agricultor completou 95 anos este ano, mas a disposição para as caminhadas não diminuiu com a idade. De ônibus, ele saiu bem cedo de Sabará para a Serra da Piedade, em Caeté, onde um percurso de 2,5 quilômetros montanha acima o aguardava. Devoto de Nossa Senhora da Piedade, ele tinha um motivo para participar da peregrinação que atraiu perto de 10 mil pessoas ao santuário no dia da padroeira de Minas Gerais: agradecer pela vida.
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No dia dedicado a Nossa Senhora Aparecida, milhares de devotos chegam ao Santuário NacionalMineiros relatam as emocionantes demonstrações de religiosidade no Círio de NazaréFiéis agradecem a Nossa Senhora Aparecida as graças alcançadasCírio de Nazaré: milhões de fiéis de todo o país reeditam uma das maiores manifestações da Igreja CatólicaPagadores de promessas vivem rotina de peregrinação, sacrifício e gratidãoCasa dos milagres é materialização do sentimento que leva milhares a Congonhas a cada anoRomeiros chegam à Serra da Piedade com bençãos e acolhimento fraterno Acordo integra santuários de Fátima, em Portugal, Nossa Senhora da Piedade, em Minas, e Estrada RealTradição da fita de couro benta leva fiéis a paróquia em BHDevoção a Padre Libério transformou cidade em movimentado centro de peregrinaçãoGravidez de professora considerada infértil levou à beatificação de Padre VictorO público era majoritariamente masculino, formado por jovens, homens de meia-idade – alguns pouco menos idosos que Mário – e até crianças, romeiros de diversas profissões, classes sociais, moradores do campo e das cidades, sozinhos, em família ou com amigos, vindos de vários pontos do estado se moviam em direção a Ermida.
Jardim natural, o santuário ecológico encravado na serra a uma altitude de 1.746 metros inspira mesmo a meditação. Para os romeiros de primeira viagem, a impressão é de que ali, entre o cerrado e a mata atlântica, a paz chega mais rápido, afasta a correria da mente. Muitos afirmam que, à medida que sobem a serra, têm a sensação de estar mais perto de Deus.
Prestes a completar 250 anos de peregrinações, a Serra da Piedade espera receber 500 mil visitantes em 2015, segundo a Arquidiocese de Belo Horizonte.
Como se tivesse 20 anos menos, Mário Eugênio se misturou com tranquilidade à multidão. Usando um fino capuz de lã e agasalho que parecia não ser suficiente para um homem de sua idade, ele vencia o vento gelado do início da manhã. Desde bem jovem, o hoje agricultor aposentado é devoto da mãe de Jesus. Segundo ele, foi por um milagre da Santa Maria que ele salvou a vida de uma criança, de cinco anos, no Rio Paraúna, em Diamantina. “Quando a tirei do fundo do rio, ela estava imóvel e praticamente morta. Sua vida certamente foi um milagre realizado por minhas mãos. Naquele dia, eu me senti abençoado e muito feliz”, conta.
Com um sorriso fácil, o fiel acredita que tem motivos para agradecer.
Segundo o estudioso, as religiões de modo geral – católica, evangélicas, espírita, as crenças com origem africanas e outras muitas, com menor número de fieis – convivem em harmonia no país e exercem uma função importante de agrupamento social. “Muitas vezes, o Estado não sabe que uma pessoa existe, mas a igreja sabe.”
Falante e animado, o aposentado Adão Moreira, de 57, morador de Lagoa Santa, conta que foi alvo de um milagre da santa. Ele enfrentou um câncer no esôfago, fez tratamentos com quimioterapia e radioterapia e emagreceu mais de 10 quilos em sua batalha pela vida.
Para o arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira, o crescimento das romarias é um sinal de fortalecimento da fé. Ele explica que o milagre descrito pelos fiéis pode ser compreendido como uma força espiritual de conversão e transformação e os centros de espiritualidade são locais para viver essa experiência. “Milagre não é uma mágica, é quando Deus, pela força de sua graça, nos devolve não só uma inteireza física, mas moral e espiritual. Pode, sim, atingir a condição física, mas a grande graça é a cura moral e interior que nos devolve a alegria e o sentido de viver.”
O casal Juliano Wagner Santos, de 41, e Maria Teresa Medeiros, de 36, ambos servidores públicos de Belo Horizonte, acredita que a peregrinação é uma prática religiosa. “Faz parte do convívio com Jesus Cristo. É um sinal de agradecimento pelas graças recebidas todos os dias”, diz Juliano.
Um encontro de padroeiras
No encerramento do jubileu da padroeira de Minas, Nossa Senhora da Piedade, uma “convidada” muito especial subiu a Serra da Piedade, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Com orações, cânticos e aplausos, centenas de fiéis receberam a imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida, padroeira dos brasileiros, cujo dia foi festejado ontem no país, em especial no santuário nacional dedicado a ela em Aparecida (SP).
Às 11h, na Igreja Nova das Romarias, o reitor do santuário, padre Fernando César Nascimento, e o vice-reitor, padre Carlos Antônio da Silva, celebraram missa com a presença de três representantes de igrejas de rito oriental: dom Edgar, bispo da Maronita, dom José, da Melquita, e Monsenhor Michel, da Igreja Nossa Senhora do Líbano. Logo em seguida, houve procissão com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, pertencente ao acervo do santuário, seguindo-se um imenso manto branco, carregado por peregrinos, com uma pintura de Nossa Senhora da Piedade.
Durante o jubileu, iniciado em 26 de julho, o Santuário Estadual de Nossa Senhora da Piedade recebeu quase 400 mil visitantes. Ontem, o servidor público Jeyffers Domingues, morador do Bairro São Geraldo, na Região Leste de BH, saiu cedo de casa com a mulher Marília e as filhas Júlia, de 12 anos, Mariana, de 6, e Alice, de 2, para participar das homenagens às padroeiras de Minas e do Brasil. “É a primeira vez que estamos aqui. Tudo é muito bonito, o patrimônio, a paisagem, o lugar. As meninas estão gostando muito”, disse Jeyffers, pouco antes de acompanhar a procissão sob sol forte.
Enquanto esperava uma turma de amigos para seguir viagem, a estudante de letras Vanessa de Santis, de 22, residente em Ubá, na Zona da Mata, admirava a ermida construída no século 18 e que abriga a imagem de Nossa Senhora da Piedade, esculpida por Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814). “Estávamos passando o feriado no Santuário do Caraça e, na volta, pedimos indicação a umas pessoas sobre outros lugares para conhecer na região. Falaram sobre a serra e valeu a pena”, comentou a jovem. (Gustavo Werneck)
Aconteceu comigo
“Há sete anos, desde que nos casamos, minha esposa, Jane de Lourdes, tentava engravidar.
José Roberto Zanella, de 43 anos – lustrador de móveis, de Governador Valadares, durante romaria na Serra da Piedade
PEREGRINAÇÕES Desde domingo, o Estado de Minas publica uma série especial de reportagens sobre romarias no Brasil. Na estreia, foram mostradas as visitas de multidões de fiéis a Congonhas (MG) e Belém (PA), e, na sequência, a Aparecida (SP). Amanhã, a viagem segue com as homenagens ao Padre Victor, em Três Pontas, no Sul de Minas, que será beatificado nomês que vem.
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