A estiagem prolongada em Minas, que vem secando reservatórios pelo interior e fazendo os níveis do sistema de abastecimento da Grande Belo Horizonte baterem sucessivos recordes negativos, obriga a Copasa a apelar cada vez mais para as águas subterrâneas. Apenas neste ano, a concessionária de saneamento já perfurou 189 novos poços artesianos em todo o estado, como medida extrema para assegurar o abastecimento em várias cidades. Especialistas, no entanto, alertam que o recurso não é ilimitado e que a superexploração pode prejudicar os aquíferos, principalmente considerando as captações irregulares e sem critério feitas por particulares. O uso de caminhões-pipa é outra manobra para lidar com uma seca que, de acordo com a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), já levou 107 prefeituras a decretar situação de emergência para obter recursos do estado ou da União.
Somente em Ubá, na Zona da Mata, foram abertos 12 poços profundos e a Copasa usa sete caminhões-pipa para auxiliar no fornecimento de água para os 77 mil moradores e para empresas. Os poços começaram a ser perfurados em fevereiro. Para isso, a prefeitura cedeu áreas públicas onde foram feitas prospecções em busca de água subterrânea. Uma das perfurações ocorreu no próprio terreno onde funciona a Secretaria Municipal de Obras.
De acordo com a Copasa, nos últimos anos os níveis dos ribeirões Ubá e Ubá Pequeno têm diminuindo consideravelmente. Na sexta-feira, o abastecimento foi interrompido em várias regiões da cidade. A Prefeitura de Ubá publicou edital de concorrência pública para concessão dos serviços de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário para os próximos 35 anos. A empresa vencedora terá que investir R$ 150 milhões na captação de água e tratamento de efluentes. Já em Medina, Vale do Jequitinhonha, 13 poços estão sendo perfurados para complementar o abastecimento. A Copasa mandou 18 caminhões-pipa para a região.
Aquífero pode secar, alerta especialista
A perfuração de poços artesianos é uma alternativa ao abastecimento, mas a água subterrânea não representa uma reserva infindável. O alerta é do professor Ricardo Motta Pinto Coelho, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. “O aquífero pode secar, e isso já está acontecendo no Nordeste do país. É preciso fazer estudos na região, pois normalmente a perfuração é feita em área em que já existe grande quantidade de poços, pelo menos em Minas Gerais, mais precisamente no Triângulo Mineiro, em São Paulo e no Nordeste. Onde há excesso dessa atividade, ocorrem duas coisas: primeiro, há rebaixamento do lençol freático; segundo, principalmente nas regiões semiáridas, como o Nordeste, ocorre a salinização da água”, alerta o professor. Segundo ele, por esse motivo grande parte dos poços do semiárido precisa estar acoplada a uma pequena usina de dessalinização.
Segundo Ricardo Motta, o que está ocorrendo no Triângulo Mineiro e em várias regiões de Minas está relacionado ao fato de que a capacidade dos aquíferos está diretamente ligada ao manejo e gestão das águas superficiais, como rios, lagos, reservatórios e, principalmente, da cobertura vegetal. “Infelizmente, temos regiões áridas que estão sofrendo mais com a crise hídrica, principalmente ao longo do Vale do São Francisco, como a cidade de Medina e outras do Norte de Minas, que estão quase em estado de calamidade pública pela falta de água. São várias décadas com total descaso com a cobertura vegetal e com a gestão das bacias hidrográficas”, alerta.
Ainda de acordo com o professor, a perfuração de poços deve ser precedida de estudos geológicos e hidrológicos mais profundos, o que não ocorre no Brasil. O especialista alerta ainda para a falta de monitoramento da qualidade da água de poços artesianos. “As pessoas acham que água de poço artesiano é sempre boa. Longe disso, pois há vários tipos de aquíferos. Em alguns, mais confinados, a possibilidade de contaminação é muito baixa, como o Aquífero Guarani. Outros, mais rasos, são mais propensos a contaminações, como por nitratos. Essas substâncias tendem a se acumular nos aquíferos junto a uma série de outros poluentes que causam problemas a mulheres grávidas, aumentando a chance de aborto, e problemas intestinais às pessoas”, alerta.