Jornal Estado de Minas

PROVAS DE FÉ

Gravidez de professora considerada infértil levou à beatificação de Padre Victor

Maria Teresa Corrêa de Brito, de 67 anos, agricultora - Foto:
A professora Maria Isabel de Figueiredo, de 37 anos, moradora de Três Pontas, no Sul de Minas, sempre quis ser mãe. Sonho que se intensificou depois que ela se casou com o cabeleireiro José Maurício Silvério, hoje com 39 anos, em 2007. Mas as várias tentativas de engravidar culminaram num aborto espontâneo, na descoberta de que uma das trompas era totalmente obstruída e numa gravidez tubária – decorrente de ovulação induzida –, que a obrigou, dois meses depois (em novembro de 2009), a retirar a trompa boa. Cientificamente,  estava inviabilizada qualquer chance de concepção natural. Maria Isabel perdeu o chão, mas saiu do hospital decidida a ser mãe. Se não conseguisse gerar um bebê, tentaria de outro jeito. Sua primeira providência foi, com o marido, entrar na fila de adoção. Nove meses depois, em agosto de 2010, o cadastro do casal foi aprovado.

Mas, no mesmo dia, para sua surpresa, Maria Isabel descobriu que estava grávida.

“Foi um milagre inesperado”, resume a professora, que atribui a gravidez, impossível para a ciência, a um pedido que havia feito durante a novena de Padre Victor, religioso que viveu em Três Pontas entre 1807 e 1905, considerado santo, mesmo antes de morrer, pelos moradores da cidade e de outros municípios da região. A concepção foi a peça que faltava para a beatificação do pároco – autorizada pelo papa Francisco em junho deste ano e aprovada por unanimidade por cardeais um mês depois. O processo será coroado com uma celebração a céu aberto, em 14 de novembro, no aeroporto local.



Antes da decisão do papa, a gravidez inexplicada foi reconhecida na Santa Sé por médicos e uma comissão de teólogos. A tentativa de beatificar Padre Victor remonta a 1993, lembra padre Vânis Vieira da Cunha, de 36 anos, pároco em Campos Gerais, vizinha de Três Pontas. De acordo com ele, desde então foram enviados pelo menos 15 casos de “milagres” atribuídos a Padre Victor ao Vaticano, mas até aparecer Maria Isabel, nenhum havia sido reconhecido como tal.


O fruto dessa graça é a menina Sofia de Figueiredo Carvalho, hoje com 4 anos, que acaba de ganhar uma irmãzinha, Alice de Figueiredo Carvalho, nascida há 13 dias, fato considerado pela professora uma “confirmação do milagre”, já que os exames comprovam que sua única trompa continua inteiramente obstruída. A ginecologista da “miraculosa”, como Maria Isabel passou a ser conhecida na cidade, é Márcia Andréa Mesquita, de 50 anos. A médica explica que a paciente teve uma gravidez ectópica (fora do útero) na tuba uterina esquerda e que, antes disso, um exame por imagem de seu aparelho reprodutor mostrara a obstrução da tuba direita, o que ocasionava infertilidade. “Ela poderia tentar a fertilização in vitro, mas engravidar naturalmente seria impossível”, atesta a especialista. Quando soube da gravidez de Maria Isabel, a ginecologista levou um susto. “Ela chegou com atraso menstrual e um teste positivo. Não havia nenhuma explicação plausível”, disse. A segunda gravidez de Maria Isabel foi outra surpresa.
A professora repetiu o exame, e a obstrução tubária continua lá.

“Hoje, se a gente pensar em resultados falsos-positivos e negativos de exames como esses, pode, pelo menos teoricamente, tentar encontrar uma explicação para o fato de Maria Isabel ter engravidado duas vezes, mas, na prática, é muito do difícil que isso ocorra. À medida em que a medicina vai avançando, podemos encontrar alguma razão científica, mas, por enquanto, não há nenhuma”, diz a ginecologista.

Márcia Mesquita e outros médicos foram entrevistados pelos representantes da Santa Sé, que estiveram em Três Pontas para investigar o caso. O parecer de todos foi o mesmo. “A entrevista foi bastante técnica, eles perguntam tudo sobre o caso”, revela a ginecologista. Para reconhecer um “milagre”, o Vaticano faz um profundo estudo sobre a história e as virtudes do candidato. O primeiro passo antes da beatificação é constatar a vida virtuosa do religioso, que então é declarado “venerável”. Isso ocorreu com Padre Victor em 2012, por meio de um decreto assinado pelo Papa Bento XVI, em Roma, na Itália. Depois da beatificação, o passo seguinte para a canonizar o religioso é a comprovação de um outro milagre.


Em que pese o significado do aval da Igreja em processos como esse, parte dos milhões de fiéis que participam de festas religiosas – como o aniversário da morte de Padre Victor, lembrado em 23 de setembro – tem uma história de pedidos atendidos para contar, evidenciando que a fé não pode ser imposta. Nesse universo misterioso, milagres, graças, sacrifício e esforço humano se misturam na edificação da fé, sentimento histórico que emana das raízes e da cultura do povo brasileiro. “É difícil ter um milagre reconhecido. Mas Padre Victor é considerado santo não só em Três Pontas, como em toda a região (Sul de Minas). A devoção é espontânea e vem de fora, do peregrino. Em vida, as pessoas já tinham uma confiança muito grande nele”, observa padre Vânis, responsável por enviar o caso de Maria Isabel ao Vaticano.

Depoimento da repórter

A multiplicação dos pães

“Quando cheguei à Associação Padre Victor, em Três Pontas, pouco depois do meio-dia na véspera do aniversário de morte do religioso, fui convidada a conhecer a estrutura que existe por trás da lojinha de relíquias e do memorial do beato. Descendo as escadas, me deparei com um salão onde havia pacotes de açúcar empilhados, freezers com embalagens de leite, além de grandes sacos de café e um enorme saco plástico cheio de pães.

Ao retornar ao local, três horas depois, algo havia acontecido. Os freezers, antes com poucas embalagens com leite, agora estavam abarrotados. A pilha de pacotes de açúcar tinha se agigantado e o mesmo havia ocorrido com o número de sacos e pacotes de café depositados ao fundo da parede, à esquerda de quem entra no salão, e com a quantidade de sacos de pão fresquinho que chegavam.

Estava selado o ‘milagre’ da multiplicação dos alimentos.


Adriana, secretária da entidade, explica que os mantimentos são doações de moradores – dos mais ricos aos mais pobres. Tradicionalmente, nessa data de celebração, eles oferecem aos peregrinos que chegam – muitos vencendo mais de uma centena de quilômetros a pé – água, café, leite e pão com manteiga ou margarina. A partir das 18h do dia 22, os romeiros já faziam fila na barraca montada no adro da igreja de Nossa Senhora da Ajuda, onde voluntários (são mais de 300 durante a festa) serviriam dezenas de milhares de pessoas até as 22h do dia 23.

O ‘milagre’ da solidariedade também se materializa nas estradas de acesso a Três Pontas, onde voluntários montam estruturas para oferecer água, café e banheiros aos romeiros. Enquanto isso, em frente à matriz, em missa a céu aberto, ocorria a cerimônia da queima dos pedidos. Saídos de um baú de madeira, que em dias normais fica dentro da igreja, centenas de bilhetes e cartas com desejos e agradecimentos iam direto para um cesto de latão que ardia em chamas durante a celebração ao ar livre.

A festa de fé prosseguiu noite e madrugada adentro. Às 3h30 da manhã, uma via-sacra que reunia centenas de pessoas começava uma caminhada de ida e volta em direção à Capela da Faxina, seis quilômetros distante de Três Pontas. Era onde Padre Victor costumava descansar. Do outro lado da cidade, sob um calor escaldante e ao som de Moacyr Franco, Roberto Carlos ou de um sertanejo universitário, barraqueiros, que acompanham os romeiros por todo o Brasil, vendiam maçãs do amor, roupas de criança, CDs e DVDs, cobertores, carregadores de celular, panelas ou panos de prato, agregando à religiosidade popular um caleidoscópio da cultura brasileira.” (ZF)

- Foto: Beto Novaes/EM/D.A PressAconteceu comigo

“Sou devota de Padre Victor e faço a novena dele há 25 anos. Faz três anos, eu e minha família fomos passear em um pedaço de terra que temos no Lago de Furnas, durante o Carnaval. Meu neto de 15 anos estava esquiando na represa, puxado por uma corda ligada a um jet ski. Foi aí que passou uma lancha que atingiu a corda e ele tombou na água, enforcado. Minha nora e eu estávamos na beira da represa e vimos tudo acontecer. Pessoas que estavam na água foram chegando de barco, mas ninguém conseguia tirá-lo. Meu neto já estava com os olhos e a boca roxos, ele afundava, as pessoas o traziam de volta, mas ninguém conseguia desatar a corda. A agonia durou meia hora. Em certo momento, a mãe dele e eu caímos de joelho e pedimos que Padre Victor intercedesse e que nenhum mal acontecesse ao nosso menino. Então, do nada, no meio do lago, surgiu um desconhecido que, com uma faca, cortou a corda. Ninguém nunca mais deu notícia dessa pessoa. Meu neto foi retirado da água e levado ao hospital. Ficou 24 horas em observação, fez todos os exames. Saiu sem nenhuma sequela. Durante muito tempo, ficou com a marca da corda no pescoço. Para mim, esse foi um milagre verdadeiro. Posso afirmar que Padre Victor é santo.”

Peregrinações


O Estado de Minas publica desde domingo a série especial “Provas de fé”, revelando as demonstrações de devoção que movem romeiros país afora. Na estreia, foram retratadas as multidões que peregrinam a Congonhas e Belém (PA), em busca de graças ou de agradecer por elas. No dia da padroeira do Brasil, as reportagens mostraram as romarias ao Santuário de Nossa Senhora, em Aparecida (SP). Amanhã, a viagem prossegue com as homenagens a Padre Libério, em Leandro Ferreira.


.