Jornal Estado de Minas

Escolha de BH como capital foi marcada por manipulação do uso do regimento do congresso

Planta geodésica, topográfica e cadastral de Belo Horizonte, feita pela comissão que planejou a nova capital - Foto: Gladyston Rodrigues/Reprodução
A escolha de Belo Horizonte como capital mineira foi marcada por lances de manipulação do uso do regimento do Congresso mineiro e pela especulação imobiliária nas cidades candidatas ao posto. Qualquer semelhança com a atualidade brasileira não é mera coincidência. Tudo começou com a proclamação da República, em 1889, e, dois anos depois, com a realização do primeiro Congresso Constituinte, que, entre outras coisas, questionava se era apropriado mudar a capital do novo estado. “Deve-se!”, respondiam os moradores das regiões mais prósperas do interior de Minas, principalmente Zona da Mata e Sul. “Não deve-se!”, protestavam os ouro-pretanos, temerosos com a perda do posto e com tudo o que isso significava em matéria de esvaziamento de poder, influência política e investimentos.


Em 1893, a decisão de mudar a capital já estava tomada, só faltava escolher onde ela seria construída. Eram cinco as regiões candidatas: Barbacena, Juiz de Fora, Belo Horizonte, Várzea do Marçal e Paraúna (próxima a Corinto e Curvelo). Um clima de tensão e intriga política contaminava o estado, enquanto, no Brasil, fervia uma crise política sem precedentes. Nas ruas, os jornais de cada região puxavam a sardinha, cada um para o seu lado.
Acusações eram trocadas de parte a parte e já não se podia dizer o que era mentira e o que era verdade. Em Barbacena, em 7 de novembro de 1893, a principal matéria do 90º número de A Folha discute o assunto do momento. Segundo o periódico, enquanto o Congresso debatia o artigo 1º do projeto de mudança da capital, o deputado Duarte da Fonseca tomava a tribuna e denunciava uma especulação imobiliária do Banco Regional de Minas em torno da escolha da capital.

No mesmo período, O Contemporâneo, de Sabará, defendia ardentemente Belo Horizonte, atacando as outras candidatas. “Havia suspeitas de especulação imobiliária por toda parte, e não era só isso. A proximidade geográfica com a nova capital atrairia investimentos, inclusive públicos, com o incremento da arrecadação fiscal dos estados promovido pela Constituição Federal de 1891”, observa o coordenador do Pró-Memória, que estuda a história da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Guilherme Nunes de Avelar Neto. Ele lembra que até 1891 toda a renda nacional era concentrada no governo imperial, que repassava o que queria para os estados. A Constituição republicana criou impostos estaduais e, assim, os estados passaram a ter o próprio dinheiro.
A decisão sobre onde esses recursos seriam aplicados seria da nova sede do poder. “Isso era uma coisa nova. Hoje, a arrecadação de cada estado é prefixada em lei. Naquela época, era um tiro no escuro. Era novidade com dinheiro novo e poder novo”, explica.



A votação, em três turnos, seria em Outro Preto, mas o clima na cidade era de revolta com a mudança e a campanha para a manutenção da capital no local era intensa. O temor de um tumulto ou de um atentado – os ouro-pretanos ameaçaram explodir o plenário de votação com dinamite – amedrontaram os constituintes e fez com que o presidente do Congresso Mineiro, Bias Fortes, usasse o regimento e, em sessão extraordinária, transferisse a eleição para Barbacena. Foram três turnos de votação, os dois primeiros vencidos por Várzea do Marçal. “No turno final sobraram Belo Horizonte e Várzea do Marçal.
Então o pessoal que havia votado em Paraúna passou a apoiar BH, e até mesmo apoiadores de Ouro Preto, seja pela proximidade dali, seja por acreditar ser impossível construir naquele local uma nova cidade em tão pouco tempo. “É como acontece hoje com os dois turnos de votação nas eleições. Quem vai perdendo muda os votos na disputa seguinte”, lembra Avelar Neto.

O jornal A Folha, porém, conta que em Barbacena, depois de ter vencido os dois primeiros turnos, o senador Pedro Drumond, desmontando o parecer técnico do engenheiro-chefe Aarão Reis, que apontava Várzea do Marçal como favorita, apresentou uma emenda “singela”: “Emenda ao art. 1º. Em vez de Várzea do Marçal, leia-se Bello Horizonte”. A emenda teria sido aprovada por 30 votos contra 28. Estava definido o local onde seria erguida a nova capital. Verdade ou mentira, a partir daí começa o processo de construção da estrada de ferro que iria trazer materiais de construção para Bello Horizonte e, em seguida, a construção da capital propriamente dita. O prazo de entrega era de quatro anos, mas a cidade foi inaugurada aos 3 anos, 11 meses e 25 dias do início da construção. A inauguração, marcada para 17 de dezembro de 1897, fora antecipada para 12 de dezembro.
“Foi uma entrega simbólica. Nem de longe a cidade estava pronta. Por uma questão de discurso político, para dar satisfação política, resolveram entregá-la antes do prazo”, conta Guilherme Avelar Neto.

Linha do tempo

1889 – Proclamação da República

1891 –
Primeira constituinte de Minas Gerais, que decidiu de mudar a capital do estado

1893 –
17 de dezembro: escolha da região de Belo Horizonte para a construção da nova capital mineira

1894 –
Começa o processo de implantação da estrada de ferro que traria os materiais para erguer a nova capital

1897 – 12 de dezembro: inauguração antecipada da capital de Minas Gerais

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