(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Tradição de promessas e desejos não são unânimes nas religiões monoteístas

O Es­ta­do de Mi­nas en­cer­ra ho­je a sé­rie de re­por­ta­gens Pro­vas de fé, ini­ci­a­da do­min­go, so­bre o es­for­ço hu­ma­no, pe­di­dos e gra­ças ob­ti­das pe­los pa­ga­do­res de pro­mes­sa que sin­gram o Bra­sil to­dos os anos em bus­ca de san­tu­á­ri­os ca­tó­li­cos e ou­tros lu­ga­res sagrados


postado em 17/10/2015 06:00 / atualizado em 17/10/2015 07:26

Vanessa Dutra, que deixou a cadeira de rodas, entre o marido Luiz Henrique e a filha Luíza: fé no poder de cura de Frei Galvão(foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Vanessa Dutra, que deixou a cadeira de rodas, entre o marido Luiz Henrique e a filha Luíza: fé no poder de cura de Frei Galvão (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)

No prin­cí­pio, era uma vas­ti­dão de ter­ras vir­gens ha­bi­ta­das pe­los índios. De­pois, vi­e­ram os por­tu­gue­ses e os je­suí­tas tra­zen­do com eles a fé cristã. Os co­lo­ni­za­do­res fun­da­ram po­vo­a­dos, vi­las e ci­da­des, que cres­ce­ram em tor­no de uma capela. So­me-se a is­so o de­sem­bar­que de es­cra­vos afri­ca­nos em ter­ri­tó­rio na­ci­o­nal, com su­as cren­ças e cul­tu­ra, e o Bra­sil es­ta­va fér­til pa­ra se trans­for­mar no cal­dei­rão de fé, pro­mes­sa e mi­la­gre que se mos­tra vi­vo e pul­san­te há mais de cin­co séculos. O Es­ta­do de Mi­nas en­cer­ra ho­je a sé­rie de re­por­ta­gens Pro­vas de fé, ini­ci­a­da do­min­go, so­bre o es­for­ço hu­ma­no, pe­di­dos e gra­ças ob­ti­das pe­los pa­ga­do­res de pro­mes­sa que sin­gram o Bra­sil to­dos os anos em bus­ca de san­tu­á­ri­os ca­tó­li­cos e ou­tros lu­ga­res sagrados. Mas o que têm a di­zer so­bre fé, pro­mes­sa e mi­la­gre ou­tras gran­des re­li­gi­õ­es e dou­tri­nas que se es­ta­be­le­ce­ram no país e, além de­las, a psi­co­lo­gia?


A fé é o de­no­mi­na­dor co­mum de to­das as tra­di­çõ­es religiosas. Tra­ta-se, se­gun­do a psi­co­te­ra­peu­ta Cláu­dia Pra­tes, da con­cen­tra­ção de ener­gia, es­pe­ran­ça e con­vic­ção nu­ma di­re­ção única. É por meio de­la que os cren­tes se co­mu­ni­cam com o que de­no­mi­nam “po­der di­vi­no” e fa­zem pedidos. “O uso da fé fa­vo­re­ce a ma­te­ri­a­li­za­ção do de­se­jo, cha­ma­do de mi­la­gre”, explica. É exa­ta­men­te nis­so que acre­di­ta a den­tis­ta Va­nes­sa Al­cân­ta­ra So­a­res Du­tra, de 48 anos, que em 2007 li­vrou-se de uma gra­ve e apon­ta­da co­mo in­cu­rá­vel do­en­ça de neu­rô­nio motor. Os sin­to­mas apa­re­ce­ram em 2004, com uma fra­que­za mus­cu­lar ge­ne­ra­li­za­da e pro­gres­si­va que, no iní­cio da fa­se mais gra­ve, três anos de­pois, já a es­ta­va im­pe­din­do de andar. Era o ano da ca­no­ni­za­ção de Frei Gal­vão, em Gua­ra­tin­gue­tá (SP), a 15 mi­nu­tos de Apa­re­ci­da, ter­ra da pa­dro­ei­ra do Brasil. Va­nes­sa as­sis­tiu, pe­la te­le­vi­são, à mis­sa que con­ta­va com a pre­sen­ça do ga­ro­to al­vo do se­gun­do mi­la­gre do san­to e se per­gun­tou: “Por que não co­mi­go?”

Em se­gui­da, já nu­ma ca­dei­ra de ro­das, ela e o ma­ri­do vi­a­ja­ram pa­ra Apa­re­ci­da e, de­pois, a Guaratinguetá. No San­tu­á­rio de Frei Gal­vão, a den­tis­ta viu as fo­tos dos tes­te­mu­nhos de mi­la­gres nas pa­re­des e os pe­re­gri­nos pe­gan­do as pí­lu­las do re­li­gi­o­so, que na­da mais são que pe­da­ços de pa­pel aben­ço­a­dos no santuário. Quan­do vol­tou pa­ra ca­sa, ela e a fa­mí­lia fi­ze­ram uma novena. “To­mei ca­da pe­da­ci­nho (de pa­pel) co­mo se fos­se a mi­nha cu­ra e di­zen­do: 'Se­ja fei­ta a vos­sa von­ta­de'”, lembra. A no­ve­na aca­bou nu­ma sex­ta-fei­ra, an­tes do dia dos pais. “No sá­ba­do, eu já es­ta­va me sen­tin­do me­lhor, sem dores. No do­min­go, fo­mos à ca­sa de parentes. Na vol­ta, eu me sen­tia tão fra­ca que, an­tes de tro­car de rou­pa e dor­mir, ti­ve de dei­tar pa­ra descansar. De re­pen­te, sen­ti von­ta­de de me levantar. Pus as per­nas no chão e a mão na pa­re­de e fi­quei de pé so­zi­nha, de­pois de um ano sem con­se­guir fa­zer isso. Dei um pas­so e de­pois ou­tro e an­dei do quar­to à sa­la de jan­tar até a ima­gem de Nos­sa Senhora. Dis­se a ela: 'Vo­cê é mãe, vo­cê me entende. Que­ro cri­ar mi­nhas filhas. De lá pa­ra cá, es­tou cu­ra­da'”, re­la­ta Vanessa.

A exis­tên­cia de mi­la­gres, acon­te­ci­men­tos fo­ra da or­dem na­tu­ral e inex­pli­cá­veis à luz da ci­ên­cia, não é una­ni­mi­da­de en­tre as três mai­o­res re­li­gi­õ­es mo­no­teís­tas do mun­do: cris­ti­a­nis­mo, ju­daís­mo e islamismo. E nem mes­mo na dou­tri­na espírita. “Deus é um só, uma úni­ca fonte. A di­fe­ren­ça es­tá na interpretação. Mi­la­gres não exis­tem em nos­sas vi­das, eles fo­ram da­dos na vi­da do pro­fe­ta Mo­ham­med (Ma­o­mé) ”, acre­di­ta o guia re­li­gi­o­so da co­mu­ni­da­de is­lâ­mi­ca em Mi­nas, Mokhtar Elkhal, pa­ra quem as pro­mes­sas são “chan­ta­gens com Deus”. Já os evan­gé­li­cos acre­di­tam em milagres. “Tra­ta-se de al­go so­bre­na­tu­ral, que nor­mal­men­te não acon­te­ce­ria, mas que ocor­re pa­ra glo­ri­fi­car Deus, e não o ho­mem”, afir­ma o pre­si­den­te do Con­se­lho de Pas­to­res de Mi­nas Ge­rais, Jor­ge Li­nha­res, da Igre­ja Ba­tis­ta Getsêmani. Ele res­sal­ta que to­do mi­la­gre pa­ra glo­ri­fi­car o ho­mem é uma in­co­e­rên­cia com a pa­la­vra de Deus, a Bí­blia sagrada.

Pa­ra a re­li­gi­ão ju­dai­ca, o mi­la­gre exis­te e é par­te da his­tó­ria do po­vo ju­deu, diz o ra­bi­no da Con­gre­ga­ção Is­ra­e­li­ta Mi­nei­ra (CIM), Uri Lam. Ele ex­pli­ca o mi­la­gre co­mo al­go que, por um la­do, fo­ge do lu­gar-co­mum, que nos sur­pre­en­de, co­mo al­go úni­co, que não se repete. “Por exem­plo, a en­tre­ga da To­rá por Deus ao po­vo de Is­ra­el no Mon­te Si­nai, há mais de 3.300 anos. A To­rá, re­pre­sen­ta­da pe­las Tá­bu­as da Lei, é um fa­to úni­co, que nun­ca mais irá se re­pe­tir: is­so é um mi­la­gre”, diz o rabino. Por ou­tro la­do, a re­li­gi­ão ju­dai­ca en­ten­de que os mi­la­gres acon­te­cem o tem­po todo. “Di­zem os sá­bi­os do po­vo ju­deu que pa­ra ver um mi­la­gre bas­ta sa­ir à ja­ne­la e ob­ser­var a na­tu­re­za: o cres­ci­men­to das flo­res, o pas­sar dos di­as, o nas­ci­men­to de uma criança.” Ao mes­mo tem­po, con­ti­nua o ra­bi­no, são fa­tos que se re­pe­tem, mas ca­da um de­les guar­da al­go de par­ti­cu­lar, úni­co, que não tem igual.

No ca­so das pro­mes­sas, a vi­são é diferente. “Em vez de fa­zer pro­mes­sas, nós re­za­mos di­a­ri­a­men­te pa­ra que se­ja da von­ta­de de Deus nos dar for­ças pa­ra cum­prir­mos com as nos­sas obrigações. Pe­di­mos pa­ra que Deus nos dê saú­de e sus­ten­to pa­ra cum­prir­mos com aqui­lo a que nos pro­po­mos”, diz o rabino.

Me­re­ci­men­to Pa­ra os es­pí­ri­tas, não há mi­la­gres, mas merecimento. “Há, sim, me­re­ci­men­tos es­pi­ri­tu­ais de quem re­ce­be a dá­di­va de Deus, por meio da me­diu­ni­da­de”, con­ta Mar­ce­lo Gar­di­ni, di­re­tor da Uni­ão Es­pí­ri­ta Mi­nei­ra, ins­ti­tui­ção exis­ten­te no es­ta­do des­de 1908. Ele es­cla­re­ce que, em­bo­ra não ha­ja ri­tos de pro­mes­sa na dou­tri­na, as pes­so­as po­dem fa­zer pe­di­dos e re­ce­ber bên­çã­os di­vi­nas por meio de pre­ces, tra­ta­men­tos es­pi­ri­tu­ais e pas­ses (trans­fu­são de ener­gia mag­né­ti­ca).

En­con­tro com Deus, o sa­gra­do, os san­tos e os orixás. Es­se é o sen­ti­do da fé pa­ra os um­ban­dis­tas, diz o ze­la­dor da Ca­sa do Di­vi­no Es­pí­ri­to San­to das Al­mas, Pai Mar­ce­lo de Oxóssi. Mi­la­gres exis­tem e os se­gui­do­res da re­li­gi­ão ge­nu­i­na­men­te bra­si­lei­ra não têm dú­vi­da: “Nós so­mos um milagre. O mi­la­gre da vi­da, da con­vi­vên­cia, da exis­tên­cia de um Deus vivo. Mi­la­gres, na ver­da­de, acon­te­cem em to­dos os mo­men­tos”, explica. Se acre­di­tam nos san­tos e nos ori­xás, os um­ban­dis­tas tam­bém cre­em em promessas. “Tra­ba­lha­mos com a in­cor­po­ra­ção, com a crença. Es­sa é nos­sa fé”, diz o ze­la­dor da ca­sa lo­ca­li­za­da no Bair­ro São Ge­ral­do, na Re­gi­ão Les­te de Be­lo Horizonte.

Aconteceu comigo

“Desde muito jovem, sempre tive fé no Padre Libério. Ele morreu em 1980, em Leandro Ferreira, Centro-Oeste de Minas, e eu tive a graça de conhecê-lo e receber suas bênçãos, era um santo homem. Ele saía a cavalo, visitava as pessoas, benzia as casas e trazia muita paz aos lugares por onde passava. Uma vez, ele foi até a minha casa na zona rural. Pedimos para que abençoasse o lugar com sua água benta, porque apareciam muitas cobras. Depois desse dia, nunca mais elas apareceram. Quando perdi um filho que tinha acabado de completar 16 anos, eu fiquei muito triste e transtornado e foi o Padre Libério que me socorreu. Ele me deu uma benção e depois me disse: 'Toda vez que pensar no seu filho, você reza e pede a Deus por ele.' Assim eu fiz, e, aos poucos, a dor foi se acomodando. Recentemente pedi a ele a cura de um netinho que estava com problemas de saúde e fui atendido. E assim, na minha vida inteira, foram várias graças pedidas e alcançadas. Sempre fiz promessas para o Padre Libério e ele nunca falhou. Ensino uma coisa importante para os meus filhos e para minha família: promessa não é coisa de se guardar, é feita para ser cumprida.”

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)