Jornal Estado de Minas

Irmãos mineiros vão à Justiça para esclarecer se são descendentes de dom Pedro I

Francisco e o título do bisavô, escrito com caligrafia espelhada, técnica importada dos EUA - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A.Press

Ipanema – Quatro irmãos e uma dúvida, diretamente ligada à história do Brasil, que acompanha a família há gerações. Francisco, Mauro, Maria Helena e Maria Lúcia querem resposta para a pergunta que há quase dois séculos paira sobre os Corrêa de Faria. Eles acreditam ser descendentes de dom Pedro I (1798-1834) e pretendem ajuizar ação na Justiça para reconhecer definitivamente o parentesco ou enterrar de vez a tese de alguns historiadores, de que o imperador seria pai de Anacleto Corrêa de Faria, o Barão de Itaperuna (1819-1903), bisavô dos possíveis descendentes da linhagem imperial.

“Queremos esclarecer o assunto, pois, caso o imperador seja o pai biológico do barão, meu bisavô não será mais lembrado como um filho bastardo de Pedro I”, justificou Francisco, de 62 anos, morador de Ipanema, cidade do Vale do Rio Doce com cerca de 20 mil habitantes, a 350 quilômetros de Belo Horizonte. O município está a 30 quilômetros de Santo Antônio do Manhuaçu, povoado de Caratinga e onde o corpo do barão está sepultado.

Historiadores defendem a tese de que dom Pedro I, conhecido pelas aventuras extraconjugais, teve um caso com a escrava Faustina Jovita, mãe de Anacleto Corrêa de Faria, que se tornaria Barão de Itaperuna. Grávida, ela teria sido levada do Rio de Janeiro para a Zona da Mata mineira por amigos do imperador. Queriam evitar um escândalo na corte. A título de curiosidade, o monarca teve sete filhos com sua primeira esposa, Leopoldina, e outro com a segunda mulher, Amélia de Leuchtenber.



Mas especialistas em temas ligados à monarquia acreditam que Pedro I deixou mais de 20 descendentes fora dos dois casamentos. Um deles teria sido gerado pela escrava Faustina.

Na Zona da Mata mineira, ela foi amparada e se tornou companheira do comerciante Luciano Corrêa de Faria, que assumiu a paternidade da criança e a registrou como filho.

Anacleto não teve uma infância rica. Mas, já adulto, tomou conhecimento de que seria filho bastardo do imperador. Àquela altura, Pedro I havia falecido. Anacleto, então, montou no lombo de uma mula e viajou a Petrópolis, cidade fundada por dom Pedro II (1825-1891). Conseguiu uma audiência com o suposto irmão no Palácio Imperial, onde hoje funciona um museu.

O barão de Itaperuna, com a baronesa: benefícios intrigantes concedidos por dom Pedro II - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A.Press

O suposto herdeiro da monarquia retornou à Zona da Mata mineira rico e agraciado com o título de Barão de Itaperuna, o que lhe garantia regalias como a isenção de impostos. O documento original, datado de 1889, está em poder da família de Ipanema. Tem como curiosidade a técnica espelhada – as frases só têm sentido se lidas diante de um espelho.

“Documentos antigos dessa importância usavam esse método, que veio dos Estados Unidos”, explicou o historiador Flávio Mateus dos Santos, autor do livro A república do silêncio.
Ele avalia que o título de barão foi concedido por dom Pedro II como uma compensação e, informalmente, um reconhecimento de que ambos seriam irmãos por parte de pai.

Flávio pesquisa a vida de Anacleto há mais de uma década: “Imagine um homem que sai de Minas Gerais pobre, é recebido pelo imperador dom Pedro II e volta de Petrópolis rico e com o título de barão. Depois, vende o que tem (na Zona da Mata) e compra boa parte do que agora é o Leste de Minas (área que inclui o Vale do Rio Doce). Como pode uma coisa dessas? É um poder aquisitivo muito alto em um tempo muito curto”.

No Leste de Minas, o barão se casou com dona Maria Francisca de Jesus, com quem teve sete filhos. Viúvo, levou outra mulher ao altar, mas não houve fruto da nova união. Um dos filhos do primeiro casamento foi Manuel Côrrea de Faria, que viveu ao lado de dona Maria Cândido. Os dois tiveram nove descendentes. Um deles foi Francisco, que se casou com dona Helena. Da união, nasceram cinco filhos: Manuel, já falecido, e os quatro irmãos de Ipanema – que agora reivindicam reconhecimento da linhagem nobre, para fundamentar as histórias que escutam desde crianças, de que são descendentes do primeiro imperador do Brasil.

Não será uma ação fácil de ser julgada, pois a Justiça deve analisar pedido de exumação do corpo do barão e, talvez, de dom Pedro.
O advogado Antônio Marcos Nohmi, conselheiro da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) e especialista em direito de família, destaca que os descendentes do barão devem ajuizar uma ação anulatória e outra investigatória. “São duas no mesmo corpo. É bom lembrar que não há que se falar em herança, porque já houve a prescrição.”

A família garante que não pensa em receber parte da fortuna que um dia foi do imperador. “Queremos colocar a história no lugar certo, se realmente for assim. O que nos importa é esclarecer a questão. Apenas isso. Vamos contratar um advogado que tomará as providências necessárias”, disse a funcionária pública de Ipanema Elaine, trineta do barão.



SAIBA MAIS
A EXUMAÇÃO DE DOM PEDRO I

O corpo do primeiro imperador do Brasil foi exumado em 2012, para exames feitos sob sigilo e posteriormente divulgados. Nos estudos, algumas informações sobre a vida dele e de suas duas mulheres – cujos restos mortais também foram exumados – mudaram os livros de história. Descobriu-se que dom Pedro foi enterrado com roupas de general do Exército lusitano, como confirmam medalhas e galões de reconhecimento de Portugal encontrados no caixão. Os estudos mostram que Leopoldina jamais fraturou o fêmur, como era informado em livros de história.

Enquanto isso...
...O TÚMULO DO BARÃO

O corpo do barão de Itaperuna descansa em um cemitério em Santo Antônio do Manhuaçu, distrito de Caratinga, no Vale do Rio Doce.
Malcuidado, o túmulo em nada lembra a importância do homem que pode ser filho de dom Pedro I. Há alguns anos, segundo familiares, o jazigo foi arrombado por vândalos e parte dos restos mortais foi exposta ao tempo. Restaurado, o túmulo fica próximo ao cruzeiro.

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