Jornal Estado de Minas

Parteira madrinha das 600 bênçãos em cidade do Vale do Rio Doce


Fernandes Tourinho – A frase que Luzia Reis de Souza, de 62 anos, mais escuta no dia a dia faz bem aos seus ouvidos: “Sua bênção, madrinha”. Moradora da pacata Fernandes Tourinho, cidade do Vale do Rio Doce com pouco mais de 3 mil habitantes, a 300 quilômetros de Belo Horizonte, ela já batizou mais de 600 crianças. “Quando cheguei no afilhado de número 619, parei de contar”, explica. Tanto carinho das famílias do lugar não é sem motivo: deve-se à dedicação da mulher em ajudar o próximo. Por anos, dona Luzia foi a parteira do município: “Trouxe muita gente ao mundo. Acho que umas 100 pessoas”.

O primeiro parto ocorreu por acaso, há quase três décadas. Funcionária do posto de saúde, ela ia acompanhar uma gestante à maternidade de Governador Valadares, a 70 quilômetros de Fernandes Tourinho. Mas as contrações da mulher se aceleraram e a criança começou a nascer antes de as duas entrarem na ambulância.

“A primeira parte do corpo que saiu foi um pezinho. Parto de altíssimo risco. Graças a Deus, deu tudo certo”, recorda-se.

Como resultado da façanha, a gestante convidou Luzia para ser madrinha de Lucinéia, hoje uma moça de 28 anos. O batismo ocorreu na matriz do município, a Igreja de Nosso Senhor do Bom Jesus. “Sou devota dele. Por coincidência, o primeiro parto ocorreu em 14 de setembro, dia do nosso padroeiro.”

Já o último parto ocorreu há seis meses. Também não estava nos planos, uma vez que o posto de saúde municipal já contava com uma ginecologista.
“Fui buscar uma gestante em casa e ela estava em trabalho de parto. Não havia tempo de levá-la à maternidade. Taíse nasceu com 3,6 quilos. Então, virei madrinha de mais uma menina”, explica.

Luzia, casada há quase meio século com João Paulino, é mãe de Édson, de 43. Ela poderia ter mais três filhos, sendo dois gêmeos, mas as gestações não vingaram. Dedicada à área de saúde, concluiu o antigo segundo grau – hoje ensino médio – e foi aprovada em um concurso municipal. Também obteve, com suor, um diploma do curso técnico de enfermagem, em uma instituição em Juiz de Fora, na Zona da Mata.

Ninguém conhece o posto de saúde em Fernandes Tourinho como ela: “Lá se vão 32 anos. Tenho tempo para me aposentar, mas não quero.
Já me chamaram no INSS para resolver a papelada e recusei. Vou continuar aqui enquanto tiver forças para ajudar”, afirma.
Luzia trabalha na companhia de cinco afilhadas. Uma delas é a agente de saúde Daniela Rodrigues, de 27. “A madrinha também fez o meu parto. É uma mãezona. Tanto na vida quanto no trabalho, pois está sempre disposta a me ensinar as coisas”, disse a jovem, logo depois de dar um beijo no rosto da funcionária pública.

A também agente de saúde Luciene Pereira é outra que, quando criança, foi levada à pia batismal por Luzia. “Tenho a sorte de ter, no dia a dia, uma madrinha atenciosa e companheira”, resume a moça. A fisioterapeuta Tatiany Morais, de 26, também trabalha no posto. E, assim como as colegas, faz questão de destacar o enorme coração da madrinha: “Ela nos ajuda no que pode e no que não pode”.

A fama de boa madrinha é tão grande que ultrapassou os limites da sede do município e Luzia foi convidada por várias famílias do interior a ser, como dizem, a segunda mãe de dezenas de crianças da área rural.

POLÍtica Com a popularidade em alta, dona Luzia acabou sendo convidada a disputar uma vaga na Câmara Municipal de Fernandes Tourinho. Pensou bastante antes de aceitar a proposta, mas hoje está em seu sexto mandato e, atualmente, é a presidente do Legislativo municipal.
É também a única mulher entre os parlamentares.

O vencimento como vereadora é de aproximadamente R$ 2,6 mil, mas Luzia garante que a maior parte é usada para comprar remédios e pagar pequenas cirurgias para os moradores. “Não foi o povo que me elegeu? Então, nada mais justo”, afirma. Ela, porém, garante que disputar uma eleição para a prefeitura não faz parte de seus planos..