Jornal Estado de Minas

Primeira tempestade da estação em BH produz inundação que surpreendeu até bombeiros


A primeira chuva de grandes proporções da temporada em Belo Horizonte espalhou um rastro de pavor, destruição e prejuízo por um dos conhecidos pontos de inundação na capital: a Avenida Vilarinho. Desta vez, porém, os resultados foram capazes de surpreender até bombeiros experientes. Em cerca de duas horas, a precipitação foi de 57 milímetros (mm) na Região de Venda Nova, por onde passa a via, de acordo com o meteorologista Heriberto dos Anjos, do Instituto TempoClima PUC Minas. O volume representa quase metade (46%) da média histórica esperada na cidade para todo o mês de outubro, que é de 123mm. Foi o suficiente para que as pistas se transformassem em rio e dezenas de veículos fossem arrastados, muitos com seus ocupantes no interior. Quando a água recuou, a imagem que restou no asfalto foi de pilhas de carros amontoados uns sobre os outros, em um cenário que equipes da BHTrans, Guarda Municipal, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar entraram a noite tentando desmontar. Apesar do pânico enfrentado por ocupantes dos cerca de 60 veículos que foram danificados, não havia até a noite de ontem registro de vítimas.

Passados os momentos mais críticos da inundação, entre os que enfrentaram o pavor de ver os veículos boiando ao sabor da correnteza o clima variava entre a tensão e o alívio. No trecho da avenida embaixo da estação do Move, a prioridade passou a ser remover os carros que ficaram empilhados em meio à lama e à sujeira.
Mas o desespero ainda estava estampado nos rostos das dezenas de pessoas que ficaram encurraladas entre a linha de metrô e o viaduto, presas nos ônibus ou em automóveis arrastados, muitos deles completamente submersos.

O auxiliar administrativo Douglas Ferreira, de 24, caiu em prantos quando viu seu carro começar a ser retirado da pilha. Familiares foram ao local para acompanhar os trabalhos e aproveitaram para lembrá-lo da sorte de ter sobrevivido sem ferimentos. “A água subiu muito rápido. Quando arrastou o meu carro, saí pela janela. Nadamos e também subimos na grade do metrô. A água continuou a subir e chegou próximo de onde estávamos. Deu muito medo.
Uma moça foi me ajudar e caiu. Também ficamos com medo de tomar choque”, contou. O gerente comercial Hernandes Afonso Rosa, de 41, contou ter ficado sem ação quando seu carro começou a ser levado. “Na hora não se sente nada, com tanta adrenalina. Depois é que você acorda um pouco”, disse ele, que se lembrou de quando outros carros eram jogados por cima do seu.

Em meio ao pânico, várias voluntários ajudaram quem estava em dificuldade. Outras vítimas contaram com o apoio de militares que atuaram como anjos da guarda de quem não conseguia nadar ou estava ilhado nos veículos. Um herói, o sargento Márcio Leocádio, foi um dos primeiros a chegar ao local. “Minha equipe conseguiu um barco e, remando, chegamos até um ônibus do Move para resgatar o motorista, que não conseguiu sair.
Creio que faltavam cerca de 50 centímetros para a água cobrir o veículo”, descreve o militar, que ajudou a salvar outras 12 pessoas. “É a primeira vez que vejo algo assim, tão grave. Muito grave. Esta situação vai exigir muito estudo e trabalho por parte dos órgãos competentes”, completa o bombeiro.

“Graças a Deus, não houve morte”, disse o fiscal da BHTrans Marcos Cyrino, que ajudava na coordenação da retirada dos veículos. Segundo ele, o trabalho de liberação deveria se estender pela madrugada de hoje. “Estamos retirando os veículos da via, deixando no acostamento para que cada proprietário use o próprio reboque do seguro particular ou contratado aqui. A liberação vai demorar, previu.

O problema de inundações é histórico na Avenida Vilarinho, onde comerciantes, moradores e pessoas que transitam pela via já sofreram prejuízos e correram riscos por causa das enchentes. Procurados na noite de ontem para comentar o último alagamento, nenhum representante da Prefeitura de Belo Horizonte foi localizado.

Muita chuva em intervalo curto

Na Região Oeste, Ribeirão Arrudas subiu e chegou a poucos centímetros da borda - Foto: Rodrigo Clemente/EM/DA PressO temporal que surpreendeu bombeiros e expôs um gargalo para o escoamento de água na Avenida Vilarinho, na altura das estações integradas do Move e do metrô foi classificado como de grande intensidade pela meteorologia. “É uma chuva considerada forte e, concentrada da forma que foi, em curto intervalo, causa transtornos em qualquer centro urbano”, afirmou o meteorologista Heriberto dos Anjos, do TempoClima.
Segundo ele, o temporal foi resultado da formação de uma área de instabilidade atmosférica em Belo Horizonte e nos municípios de Esmeraldas, Betim e Contagem, na região metropolitana.

Na capital, além da Avenida Vilarinho, onde a situação foi mais grave, o temporal resultou em alagamentos em outros pontos. Na Região Oeste, o Ribeirão Arrudas subiu rapidamente, embora não tenha transbordado. A Defesa Civil também registrou inundações na Rua Maçon Ribeiro, em Venda Nova, e na Avenida Otacílio Negrão de Lima com Rua Euclides Franco, na Pampulha, a segunda região mais afetada na cidade.


Na Região Centro-Sul de BH, o Bairro Anchieta também sofreu danos. De acordo com o Corpo de Bombeiros, pessoas ficaram ilhadas em lojas e precisaram de atendimento. Nenhuma vítima sofreu ferimentos. Na mesma região, uma quadra de esportes ficou alagada e um motoqueiro foi socorrido depois de ficar preso entre a moto e um carro. O homem sofreu escoriações, mas dispensou atendimento. No Bairro Veneza, em Ribeirão das Neves, Grande BH, um galpão de embalagens foi danificado pela tempestade e precisou ser vistoriado pela Defesa Civil.

Para os próximos dias, o tempo ainda deve continuar bastante instável, favorável a novas precipitações e ventos fortes, em torno de 50km/h.
O meteorologista Heriberto dos Anjos afirma que a queda na temperatura afasta a previsão de granizo, já que esse tipo de fenômeno ocorre quando há choque de massas de ar quente e fria.

ESPANTO NAS REDES Vídeo que mostra o pânico de moradores vendo os carros sendo arrastados pela chuva na Avenida Vilarinho, na Região de Venda Nova, foi visto mais de 100 mil vezes até o fim da noite de ontem no Facebook e Twitter do Estado de Minas e Portal Uai. A publicação foi enviada pela leitora Jessica Damares da Silva Batista e mostra a preocupação com as pessoas que ainda estavam dentro dos carros que eram arrastados. Mais de 4 mil seguidores compartilharam o vídeo e cerca de 600 comentaram a publicação. “Estava lá e vi carros sendo arrastados com pessoas dentro. Foi horrível”, comentou a seguidora Poliana Cristina.

Veja o vídeo



ENTREVISTA

Hélio Xavier, de 52 anos, motorista

“Por pouco não foi uma tragédia maior, com mortos”

Qual foi o sentimento do senhor quando os carros foram arrastados?
Medo! Quando começou a vir a água, foi muito rápido. Não teve jeito de ninguém fugir. Os carros vieram descendo a Vilarinho, carregados pela água. Não tinha como sair da enxurrada. Por pouco não foi uma tragédia maior, com pessoas mortas.

Como o senhor saiu?
Fiquei dentro do carro uns cinco minutos. Desliguei o carro, saí pela janela e dei a volta por cima. Se saísse pela rua, os carros que estavam sendo arrastados poderiam bater no meu, me prensar e quebrar minha perna. Estava todo mundo correndo para subir para a linha do metrô.

O que o senhor pensa da situação, agora, depois do que passou?
Essa obra foi muito malfeita. Essa avenida tem que mudar. Não pode ficar uma coisa assim não. Eles (as autoridades públicas) têm que tomar uma providência e transformar a pista em elevado, para que fique no mesmo nível do viaduto que passa ao lado. Eles têm que olhar isso. Tem gente aí que está desesperado com a situação.
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