Jornal Estado de Minas

Vítimas tentam se refazer do pânico da enchente na Avenida Vilarinho

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Renata Caldeira de Oliveira teve a sensação de que ia morrer durante o temporal em Venda Nova, na noite de terça-feira. Ela e o marido, Marcelo Souza Oliveira, estavam em um Celta, na Avenida Vilarinho, quando a via inundou. “Foi questão de segundos. Estávamos indo para casa, quando o trânsito parou. Motoqueiros começaram a voltar na contramão, largaram as motos no chão e gritaram: ‘Desce do carro’”, lembra Renata, ainda trêmula ao recordar os momentos de pavor.

Marcelo e Renata estavam na tarde de ontem na garagem do prédio em que moram, no Bairro Candelária, também em  Venda Nova. O casal ladeava o carro cheio de barro, com mato nas gretas e completamente amassado, depois de ser arrastado pela correnteza. Dois mecânicos avaliavam se haveria conserto para tantos estragos. “Vai ser muito difícil, pois ficou totalmente submerso”, analisou um deles.

Marcelo conta que procurou manter a calma e ajudar a esposa, que estava desesperada, a sair da correnteza e subir para a parte elevada, na linha do metrô.
“Machuquei minha mão, mas tentei não me desesperar. A água batia no peito dela (Renata tem 1,56m). Quando saímos do carro, íamos pisando nas motos embaixo d’água”, descreve Marcelo.

O casal acredita ser possível recuperar o carro, que não era segurado, mas estima um prejuízo de até R$ 4 mil com o conserto. Ainda faltam 12 parcelas de R$ 530 para quitá-lo.

seguro Quem tinha o carro segurado deve amargar prejuízo menor. Segundo a Federação Nacional de Seguros Gerais, danos causados por alagamento fazem parte da chamada cobertura compreensiva da maioria das apólices, exceto em casos em que são contratadas coberturas apenas contra roubo ou incêndio, por exemplo. Se for detectada a impossibilidade de reparo, a seguradora liberará a indenização conforme contrato.

Mas os danos não se limitaram a motoristas.
O sócio de uma loja de acessórios na Vilarinho, Pedro Jangy, calcula que a água tenha chegado a 60cm no interior do imóvel. Há 16 anos no local, ele relata nunca ter visto nada parecido: “Foi muito carro que ficou boiando. Foi um milagre não ter morrido ninguém”. O prejuízo calculado por Pedro foi de cerca de R$ 6 mil.

Na avaliação do Corpo de Bombeiros, a inundação na Vilarinho representou alto risco de afogamento e mortes. Segundo o comandante da Companhia de Busca e Salvamento do Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres, tenente Leonard Farah, mesmo para pessoas com habilidade, o enfrentamento da correnteza é algo extremamente complicado. “Numa via urbana alagada, além da força da água, há outros riscos, como bocas de lobo e bueiro abertos, galhos de árvores e veículos arrastados pela correnteza”, diz.



DIA SEGUINTE Além das memórias de quem sobreviveu à enchente, na manhã de ontem o que se observou em Venda Nova foi um cenário de danos e muita sujeira em uma das principais vias do Vetor Norte. Praticamente todos os bueiros ao longo da avenida estavam cobertos de galhos, lama e lixo, mesmo aqueles em regiões mais afastadas da Estação Vilarinho do Move, área mais atingida. Foi necessário montar uma força-tarefa com cerca de 150 trabalhadores para dar conta da sujeira e desobstruir o tráfego.

Segundo a prefeitura, os trabalhos começaram às 6h.
Outro ponto que concentrou muitos estragos foi o trevo de acesso à Rua Padre Pedro Pinto. Onde praticamente todos os comerciantes passaram a madrugada e a manhã de ontem contabilizando estragos. Vinícius Carvalho, de 24 anos, dono de uma loja de motos, diz que o prejuízo chegou a R$ 30 mil.

O dono de uma autoescola que também fica no trevo de acesso à Padre Pedro Pinto, Alexandre da Silva Almeida, de 35, teve prejuízos em quatro carros, sendo dois destinados às aulas. Todos estavam estacionados e um deles começou a ser levado pela força da água, mas quatro homens conseguiram segurá-lo e empurraram de volta. “Um dos carros já está na oficina. No outro, a água subiu até o painel, mas por sorte não tinha ninguém dentro. Ainda tivemos prejuízos em impressoras e computadores. Estou aqui há 14 anos e nunca vi uma enchente igual a essa.”

MAIS ESTRAGOS Embora sem grandes inundações, Belo Horizonte voltou ontem a registrar chuvas, com várias ocorrências de quedas de árvore. Em uma das mais graves, um tronco destruiu um Fiat Uno estacionado na Rua São Paulo,  no Bairro de Lourdes, região Centro-Sul.
O condutor de um Palio Weekend que trafegava no momento da queda não conseguiu desviar e o carro também foi atingido. Não houve feridos.

Sistema atingiu seu limite


Moradores do Bairro Mantiqueira, em Venda Nova, relatam que a bacia de detenção de cheias na Avenida Vilarinho com a Rua João Ferreira da Silva, encheu, assim como o córrego que vem do bairro, o que indica que o sistema atingiu sua capacidade total de armazenamento. A disposição de placas de alerta chama a atenção para o fato de a prefeitura ter conhecimento da falta de estrutura de drenagem para enfrentar grandes chuvas.

No trecho mais crítico, a reportagem do Estado de Minas encontrou uma placa posicionada bem na esquina da Rua das Macieiras com a Avenida Vilarinho, em frente à estação do Move. Motoristas são alertados para não estacionar em caso de chuva forte. Porém, na própria Vilarinho outras placas só aparecem a quatro quilômetros dali, mais próximas da bacia de detenção. São cinco avisos entre os números 4.161 e 5.721, em trecho mais perto do fim da avenida.

Há dois anos, Antônio Avelino Madureira, dono de uma fábrica de picolés na Vilarinho,  reclamou das intervenções da Prefeitura de BH para viabilizar o Move. Na ocasião, mostrou que uma grande entrada de água no trecho final da avenida, em frente à estação do Move, estava sendo tampada para a construção de um viaduto. “Essa abertura amenizava muito o problema das enchentes. Hoje, sobrou apenas uma pequena entrada”, disse ele, enquanto operários limpavam a grade.


A Sudecap sustenta que “nenhuma interferência na macrodrenagem da bacia do córrego Vilarinho foi objeto da implantação da obra no local”. Segundo o órgão, foram feitas readequações geométricas no complexo viário , sem diminuição ou alteração da captação pluvial. “As obras foram de elevados e readequações geométricas superficiais, sem ligação com o evento da última terça-feira”, segundo a superintendência.

Prefeitura culpa
excesso de chuva

Por meio de nota, a Prefeitura de BH lamentou ontem os transtornos e prejuízos decorrentes da inundação e alegou que o problema se deveu à grande concentração de chuvas no local. “Foram registrados pelo Sistema de Monitoramento Hidrológico do município 57 mm de chuva, a maior parte concentrada em um período de 30 minutos, o que potencializa o risco de inundação”, informou.

No texto, a administração municipal ainda afirma que foram implantadas na região de Venda Nova as bacias de detenção do Complexo Várzea da Palma, na Bacia do Córrego da Avenida 12 de Outubro, que contribui para amenizar problemas no trecho crítico. Entre as intervenções realizadas, cita também a implantação das bacias do Córrego Vilarinho e da Avenida Liege, a melhoria da capacidade do canal, além da implantação de grelhas sobre a galeria para facilitar o escoamento. Ainda segundo a PBH, a última limpeza nas bocas de lobo ocorreu no sábado, tendo sido retiradas aproximadamente 3 toneladas de lixo.

Sem fornecer informações sobre o motivo do atraso das obras previstas para a Região de Venda Nova, a Sudecap limitou-se a dizer que “nos últimos anos a administração municipal vem executando em toda a cidade intervenções de prevenção e combate a inundações, totalizando um montante da ordem de R$ 1,29 bilhão (empreendimentos concluídos a partir de 2009 e em andamento), além de ter assegurado R$ 1 bilhão para execução de outros empreendimentos”. Em 2015 foram investidos R$ 300 milhões em obras e projetos de prevenção de inundações e manutenções em galerias, bacias de detenção e contenção de encostas, segundo o órgão.


Depoimento

Leandro de Melo Silva, garçom, de 29 anos, enquanto limpava a sujeira em seu carro

“Estava trabalhando quando meu tio ligou e disse que meu carro estava indo embora. Cheguei lá, vi e disse: ‘Ai meu Deus’. Comecei a tremer, mas não pude fazer nada. Quando a chuva passou, fui  rebocar o carro. Desmontei ele todo e estou esperando o mecânico. Faltam 18 prestações, de R$ 508. Recebo cerca de R$ 1,5 mil e o carro não tem seguro”
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