Jornal Estado de Minas

Imagens de satélite mostram que Sudeste do Brasil tem pior estiagem em 35 anos


A seca que faz evaporar rios e lagos de Minas Gerais e de outros estados no Sudeste e Nordeste do Brasil não é observada apenas pela população dos lugares onde a água está sumindo. Ela também pode ser vista do espaço, por meio de imagens de satélites da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. Um estudo do cientista Augusto Getirana, que é brasileiro, com base em dados de 2002 a 2015, mostra que as duas regiões do país vivem um período crítico de estiagem que vem desde 2012, a pior dos últimos 35 anos, com perdas que chegam a 56 trilhões de litros de água por ano nos últimos três anos no Sudeste e a 49 trilhões de litros anualmente no Nordeste. A pesquisa foi publicada na edição de outubro do Jornal de Hidrometeorologia, vinculado à Sociedade Americana de Meteorologia.

O estudo leva em consideração dados de dois satélites usados para analisar mudanças no campo de gravidade da Terra, que pode ser influenciado por movimentos massivos de gelo e água. Os equipamentos fazem leitura dos recursos hídricos de superfície, mas também dos aquíferos, contabilizando a armazenagem no subsolo. Além de observar o comportamento da água em todo o país nos últimos 13 anos, a pesquisa feita pelo cientista brasileiro leva em consideração os 16 maiores reservatórios da Região Sudeste, dos quais oito em Minas Gerais. Eles correspondem a 37% da água armazenada em todo o país em represas artificiais.

“A porção Leste do Brasil (Sudeste e Nordeste), com área de 2,5 milhões de quilômetros quadrados, tem sido severamente afetada por secas desde 2012. Junto veio um período com temperaturas acima da média e baixas taxas de chuva.
O impacto ocorreu nas águas de superfície e de subsolo, o que, consequentemente, trouxe impactos para agricultura, produção elétrica, abastecimento humano e irrigação”, diz o estudo do cientista, que trabalha no Centro de Voo Espacial Goddard, da Nasa, e também é pesquisador da Universidade de Maryland. Pegando como exemplo o reservatório de Três Marias, o terceiro maior do Sudeste, Augusto Getirana observou que a diferença entre o volume máximo e o mínimo da represa da Região Central de Minas, no Rio São Francisco, foi medida em 14,8 quilômetros cúbicos de água, enquanto a capacidade máxima do lago é de 19,5 quilômetros cúbicos. “Isso significa que a represa quase esvaziou”, constata o pesquisador.

Veja as imagens produzidas pela Nasa sobre a seca no Brasil



No ano passado, a Cemig, operadora da Usina Hidrelétrica de Três Marias, chegou a registrar apenas 2,57% do volume do reservatório em novembro. A última informação disponibilizada pela concessionária é de quarta-feira, e mostra que o lago estava com 14,8% da sua capacidade. A situação já é considerada crítica, como mostrou o Estado de Minas em sua edição de anteontem. A água sumiu de um dos braços da lagoa em Morada Nova de Minas, criando uma paisagem desértica, semelhante à de um cânion. Os dados específicos de todas as 16 represas no estudo feito pelo cientista brasileiro se referem ao período de 2005 e 2015, intervalo um pouco menor do que o usado para a análise de todo o território nacional.

SEM PLANEJAMENTO Getirana conta que iniciou as observações dos satélites há cerca de um ano, quando começou a receber de amigos do Rio de Janeiro notícias sobre a seca no Sudeste brasileiro.
Depois de contabilizar dados dos últimos 13 anos para todo o território nacional, ele diz que chegou à conclusão de que falta no país planejamento para lidar com os recursos hídricos, pois há água disponível para atender à população do mundo inteiro em solo nacional. “Com três quartos da água que temos na Amazônia, seria possível abastecer toda a população mundial, levando em consideração dados de consumo divulgados pela Unesco. É inadmissível conviver com seca em um país com condições de abastecer o mundo”, afirmou o cientista, que é engenheiro civil e hidrólogo.

Nesse caso, o pesquisador ressalta a necessidade de investimentos em gestão. “Se temos linhas de transmissão de eletricidade, quem sabe não podemos ter linhas de transmissão de água? Se o abastecimento da população é prioridade, deveria se pensar em uma solução”, sugere. O retrato de todo o país feito pelo pesquisador mostra que, entre 2002 e 2015, foram registradas três situações distintas no Sudeste e no Nordeste. Enquanto no início do intervalo avaliado as duas regiões passaram por um período seco que veio desde o ano 2000, entre 2003 e 2012 o que predominou foi um período úmido. Ele antecedeu a nova seca, que já persiste há três anos.

Três perguntas para...

Augusto Getirana,
Engenheiro civil, hidrólogo e cientista do Centro de Voo Espacial Goddard da Nasa e da Universidade de Maryland

1 - O que os dados dos satélites revelam sobre a falta de água no Brasil?

É possível perceber uma seca muito forte na porção Leste, que inclui as regiões Sudeste e Nordeste. O primeiro perde 56 trilhões de litros de água por ano e o segundo fica sem 49 trilhões de litros anualmente, levando em consideração o período entre 2012 e 2015.

2 - É possível desenvolver alguma ação para o futuro com base nos dados dos satélites?

Existem vários laboratórios de pesquisa que usam modelos computacionais para fazer simulações do ciclo da água, e a partir daí também fazer previsões do tempo.
Podemos usar os dados do satélite para fazer previsões de curto prazo mais precisas, mas o ideal é termos informações de muitos anos, o que ainda não é o caso desses satélites.

3 - Esse estudo permite algum tipo de conclusão sobre o planejamento hídrico do país?

Sim: falta planejamento no Brasil. Com três quartos da água que temos na Amazônia, seria possível abastecer toda a população mundial, levando em consideração dados de consumo divulgados pela Unesco. Se temos linhas de transmissão de eletricidade, quem sabe não podemos ter linhas de transmissão de água? Se o abastecimento da população é prioridade, deveria se pensar em uma solução.

ANÁLISE DA NOTÍCIA

Sugar sem recuperar

Roney Garcia

A tecnologia de ponta descortina o que a população de duas das maiores regiões brasileiras vem sentindo na pele nos últimos anos. O pesquisador Augusto Getirana põe o dedo na ferida, ao avaliar que falta planejamento para lidar com a questão, já que há recursos disponíveis para que a população não sofra com falta de água. Mas o problema se mostra ainda mais abrangente e preocupante, e um de seus aspectos mais delicados parece escapar até dos olhos dos satélites da Nasa: a falta de gestão ambiental. Desde que autoridades brasileiras admitiram uma crise que já não se podia ocultar, pouco ou nenhum esforço foi direcionado oficialmente a aspectos como preservação e recuperação de nascentes e matas ciliares, recomposição de cobertura vegetal, controle de poluição e desmatamento – enfim, investimento no que realmente faz brotar água do solo. Para lidar com a crise, a resposta tem sido quase exclusivamente sugar mais – e cada vez mais longe – um recurso a cada dia mais escasso.

Desde 2012

o Sudeste está perdendo 56 trilhões de litros de água por ano

Desde 2012

o Nordeste está perdendo 49 trilhões de litros de água por ano
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