A situação de uma área considerada de alto risco no Aglomerado da Serra se equilibra sobre uma polêmica que opõe entidades representativas do setor de engenharia e mais de 100 famílias que rebatem os alertas e se recusam a deixar o local. Três instituições manifestaram, ontem, grande preocupação com a situação da Rua Sustenido, no aglomerado da região Centro-Sul de Belo Horizonte. “Estamos afirmando que vai cair. Só não podemos afirmar quando”, afirmou o presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Minas Gerais (Ibape-MG), Clémenceau Chiabi. A constatação é reforçada pela Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (Abece) e pela Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS).
Moradores do local rebatem os estudos técnicos, tentam provar que não há risco de deslizamentos e lutam não ser removidos. O local é monitorado pela Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) de Belo Horizonte, que solicitou a análise das três entidades de engenharia, mas atualmente é alvo de ação na Justiça, já que a Defensoria Pública de Minas Gerais é contra a remoção das famílias e obteve liminar que condiciona a retirada ao reassentamento das famílias.
O órgão tem um laudo geológico elaborado voluntariamente pelo geólogo Gilvan Brunetti Aguiar, afirmando que o risco não é tão intenso quanto o apontado no laudo contratado pela PBH. Já o presidente do Ibape-MG aponta deficiências no estudo, que segundo ele não é completo. “Não existe capacidade técnica para fazer obra que previnam um desastre. Depois que estivemos lá, estamos tendo dificuldade para dormir, diante do risco que verificamos”, alerta o engenheiro.
O coronel Alexandre Lucas, coordenador da Comdec, diz que a Prefeitura de BH recomenda a remoção de 106 famílias, porque há risco de vida no local. “É bom lembrar que na Rua Sustenido não existe conflito de posse do terreno. A gente não quer é que ninguém morra”, afirma, descartando que a proposta de remoção atenda a interesses particulares. Clémenceau Chiabi diz que, se chover com a mesma intensidade registrada nesta semana na Avenida Vilarinho, é certo que haverá deslizamento no local, com possibilidade de mortes. A vistoria feita por engenheiros do Ibape, ABMS e Abrece apontou que as casas foram construídas de maneira precária sobre montes de entulho que variam de 7 a 14 metros de altura.
A Urbel está preparando uma atualização do número de construções em áreas de risco nas vilas e favelas da cidade, que será apresentada oficialmente no início do ano que vem, segundo a diretora de Manutenção e Áreas de Risco, Isabel Volponi. Atualmente, ela estima 2 mil construções nessa situação, o que pode significar desastres caso esses locais sejam atingidos por chuvas fortes. As regiões onde há mais casos são a Centro-Sul e a Oeste.
“Precisamos que a população ajude a Urbel, já que o processo é muito dinâmico. Às vezes, fazemos alguma intervenção de erradicação do risco, mas o morador constrói mais um puxadinho ou corta mais um pedaço do barranco e cria-se de novo o risco. Não conseguimos estar em todos os lugares ao mesmo tempo”, afirma a diretora.
Isabel afirma que em 2015 foram feitas 94 intervenções em toda a cidade para minimizar riscos e que a remoção das famílias é sempre o último caso. A Urbel ainda sustenta que houve redução grande no número de moradias em áreas de risco. Em 1994 eram 14.349, contra as cerca de 2 mil atuais, diminuição de 86%.
n Para famílias,
ameaça é pontual
A equipe do Estado de Minas percorreu ruas e becos do Aglomerado da Serra acompanhada de um dos moradores, o pedreiro Maurício Nogueira de Souza, integrante de um grupo que se articula para permanecer no local. Ele questiona os estudos das três associações de engenheiros e da Defesa Civil. “A argumentação de risco é duvidosa”, afirma. Maurício entende que o risco é pontual, em alguns trechos da encosta, e não em toda a área. Em sua análise, o interesse do poder público é “jogar o pessoal mais pobre para o mais longe possível”.
O morador cita o exemplo de um trecho onde há risco pontual e sustenta que a comunidade está plantando um pomar na encosta, além de não permitir que haja construção na área, na tentativa de reduzir o risco. O local, que era conhecido como Parque Nossa Senhora do Rosário, é chamado pelos moradores de “Área Ameaçada de Remoção na Vila Cafezal”. De acordo com o cálculo de Maurício, são 179 edificações, somando as construídas e as que estão em fase de construção.
No trajeto, o morador mostrou casas, que segundo ele, são edificadas com pilares fortes. Indicou também, na parte urbanizada do Cafezal, trincas no asfalto semelhantes às apontadas no laudo da Defesa Civil na praça de esportes, como decorrência da movimentação de terreno. “Isso é asfalto ruim”, avalia Maurício. Outro argumento do morador é que o solo, formado por filito, tem as rochas posicionadas de forma favorável, que não cederiam em caso de uma forte chuva. “Existem pontos onde não pode ser construído nada, mas a área toda não está condenada”, reforça o autor do laudo voluntário que sustenta a resistência da comunidade, o geólogo Gilvan Brunetti Aguiar.