Dez meses depois de os municípios assumirem a obrigação de implantar, expandir e manter a iluminação pública, reclamações de prefeitos e consumidores se intensificam e novos problemas são esperados para 2016, com possibilidade de menor arrecadação, devido a mudança prevista na tarifa. A transferência de responsabilidade foi determinada pela Resolução 414/2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que, depois de várias vezes adiada, começou a vigorar em todo o país em 1º de janeiro. Pela norma, a manutenção do serviço público de iluminação passou a ser de responsabilidade das prefeituras, e não mais das concessionárias de energia elétrica, que ficaram responsáveis apenas pelo fornecimento para consumo.
O resultado foi a relutância de muitas prefeituras, que, inclusive, entraram com pedidos de liminar na Justiça contra a resolução da Aneel, alegando falta de recursos para bancar o serviço. No meio da briga, consumidores de várias cidades reclamam que ficaram às escuras, porque sequer lâmpadas queimadas vêm sendo trocadas. Em alguns casos, condomínios estão arcando com as despesas para depois reivindicar restituição do poder público.
“Estamos até evitando transitar à noite, porque está perigoso”, diz a moradora de um condomínio localizado em Nova Lima, na Região Metropolitana de BH, que prefere não ser identificada. Segundo ela, são muitas as lâmpadas queimadas em praticamente todos os condomínios do município e nas vias de acesso. Somente no Alphaville, de acordo com um dos diretores da Associação Geral do Alphaville Lagoa dos Ingleses, Ricardo Nolasco, um levantamento recente constatou 82 lâmpadas queimadas. “Desde que assumimos a associação, em julho, nenhuma lâmpada em via pública foi trocada”, diz.
Segundo Ricardo, a prefeitura já foi notificada, mas respondeu que não tem condições de custear a manutenção. Para não continuar no escuro, a associação decidiu contratar uma empresa para fazer o serviço e entrou com um processo contra o município, na tentativa de reaver a quantia gasta. “Não acho justo, pois já pagamos todos os impostos, além da taxa de iluminação pública. É uma situação desagradável”, afirma.
Em nota, a Prefeitura de Nova Lima alega que “firmou acordo com empresa que presta serviço de iluminação pública, a qual já está trabalhando na cidade para solucionar os problemas de manutenção nas redes de iluminação pública”. Mas em documento a que o Estado de Minas teve acesso, enviado a um dos condomínios da região, a administração assume: “Com a crise por que o município está passando nos últimos meses, a prefeitura deixou de pagar os serviços da empresa contratada para manutenção da iluminação pública. Com isso, não teremos como atender às solicitações e também não temos prazos para regularização dos serviços”.
Na tarde de ontem, depois dos questionamentos encaminhados pelo EM, equipes da empresa terceirizada pela Prefeitura de Nova Lima para o serviço de manutenção estiveram no condomínio Alphaville, mas trocaram poucas lâmpadas e, segundo Ricardo Nolasco, nem sequer estavam preparadas para manutenção em postes mais altos.
DRAMA GENERALIZADO O problema não é isolado. Alegando falta de recursos para fazer frente ao serviço, vários municípios mineiros entraram na Justiça no decorrer do ano e, atualmente, 40 têm decisões que garantem a manutenção do serviço oferecido pela Cemig. “Estamos sem dinheiro, não temos condição nenhuma de fazer isso”, afirma o prefeito Múrcio José Silva (PP), de Cachoeira da Prata, na Região Central, um dos municípios que ainda têm a manutenção do serviço da Cemig por força de liminar. O mesmo ocorre em Alfenas, no Sul de Minas. Segundo o prefeito Maurílio Peloso (PDT), o gasto estimado, caso a prefeitura tivesse assumido a iluminação, seria de R$ 80 mil por mês. “Isso mexe com o orçamento em um momento de situação extremamento delicada por que passa grande parte dos municípios”, ressalta.
Para a Cemig, trata-se apenas de cumprir a lei. “A Cemig foi de certa forma obrigada a transferir o serviço, com base na resolução da Aneel. Exercer a iluminação pública é uma concessão e é a Aneel que determina isso”, afirma o engenheiro de comercialização da estatal Kelson Dias de Oliveira. Ele explica que a decisão da agência reguladora teve como base a Constituição Federal, de 1988, que determina ser de competência dos municípios “organizar e prestar os serviços públicos de interesse local”. A Carta diz ainda que é competência municipal instruir lei específica de arrecadação e contratação para o custeio do serviço público de iluminação. “A Cemig, inclusive, foi obrigada a se estruturar para repassar o serviço. Não temos poder para decidir o que fazer ou não”, conclui o engenheiro.
Em busca de iluminação
Entenda a polêmica envolvendo prefeituras e a resolução da Aneel
» O processo de transferência de responsabilidade sobre a iluminação pública para os municípios teve início em 2010, com a edição da Resolução 414 da Aneel
» Diante das reações de prefeitos, o cumprimento da resolução foi adiado por diversas vezes
» Em dezembro de 2013, a Aneel, por meio da Resolução Normativa 587, decidiu conceder mais um ano de prazo para a entrada em vigor da nova medida, vencido em 31 de dezembro de 2014
» Em 1º de janeiro de 2015, em todo o país, o serviço de manutenção da iluminação, além da implantação e expansão de estruturas, passou para os municípios. Em muitos estados, isso já ocorria. Por isso, o problema foi mais emblemático em Minas Gerais
» Vencido o prazo de transferência, vários municípios recorreram à Justiça e obtiveram liminares para manter o serviço sob a responsabilidade da Cemig
» Entre cassações de liminares e novos pedidos, 40 municípios atualmente continuam contando com o serviço da Cemig
» Mudança da tarifa, em 2016, pode afetar a arrecadação das prefeituras, o que já provoca nova articulação entre as prefeituras