Dos becos e ruas de vilas e favelas de Minas Gerais surge uma nova realidade. De um passado com pouco ou nenhum acesso à tecnologia e ao ensino, os moradores dos morros estão mais escolarizados e conectados à internet – 74% dos jovens estudaram mais que seus pais e 64% da população de vilas e favelas usam a rede mundial de dados. Também são mais empreendedores, se dizem felizes e não teriam intenção de mudar de endereço ainda que passassem a receber o dobro da renda que têm hoje, tamanha é a rede de solidariedade instalada nesses ambientes, onde quase metade dos lares são chefiados por mulheres. Esse é o panorama traçado entre a população de 861 mil pessoas que residem nas favelas de Minas. Um cenário otimista, que acompanha o avanço do acesso aos bens de consumo. Mas que, nas entrelinhas, ainda revela desafios vividos no passado: o preconceito e a falta de oportunidades.
Os números são resultado Radiografia das Favelas Brasileiras, do Instituto Data Favela de pesquisas. Criado em 2013, o instituto mapeia a realidade das favelas brasileiras, identificando oportunidades de negócios para empresas que querem desenvolver atividades dentro das comunidades. Os dados foram usados para subsidiar o livro Um país chamado Favela, escrito com o objetivo de mapear e desmitificar esse território, construindo pontes entre a favela e o asfalto. A obra que será lançada hoje no Sindicato dos Jornalistas, em Belo Horizonte.
O estudo feito em Minas revela uma gente simples e com vontade de vencer. “Encontramos nas favelas um brasileiro feliz, trabalhador, que chama pra si a responsabilidade sobre a própria vida. Um cidadão que ao mesmo tempo que consome é cada vez mais exigente com relação aos serviços públicos”, destaca Renato Meirelles, fundador do Data Favela e coautor do livro.
Retrato desse personagem que vive nos morros, a gari Maria Renilda Nepomuceno, de 43 anos, é um exemplo das mães de família que predominam nos lares das favelas. Renilda, como gosta de ser chamada, criou cinco filhos sozinha e ajuda agora nos cuidados de três netos. “As pessoas sempre olharam com bons olhos as mulheres guerreiras que criaram os filhos sozinhas”, avalia a moradora do Morro do Papagaio, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Renilda elogia a relação com vizinhos. “Isso faz muita diferença. A maior parte é gente boa”, avalia. “Eu nasci aqui e consegui comprar minha casa. É um local ótimo, pois quem faz o lugar é a gente”, completa. A filha de Renilda, Lourreyne Francilly Nepomuceno, de 24 anos, também não se imagina morando longe do morro. Mãe de Richard Gabriel, de 6 anos. Renilda e Lourreyne estão conectadas nas redes sociais. Há oito meses, a gari instalou internet em casa e libera a senha do wi-fi para os vizinhos e família.A relação com os vizinhos e familiares que moram perto ajuda a faxineira Lucineide Francisca da Silva, de 41 anos, a criar seus três filhos: Wanderson, de 12 anos; Andreilson, de 10, e Cléber, de 8. Enquanto Lucineide trabalha os meninos ficam sob os cuidados de familiares que moram vizinhança. “Deixo o serviço às 18h e minha irmã que mora aqui perto ajuda a olhar”, explica Lucineide. Para criar os três filhos, ela conta com salário de R$ 815, mas R$ 450 ficam no aluguel do barracão e sonha com uma casa própria.
Presidente da Central Única de Favelas (Cufa), Francisley Henrique, confirma os dados do estudo. Segundo ele, apesar de os moradores dos aglomerados viverem em um território extremamente adensado – em Belo Horizonte, 20% da população vivem em 5% do solo da cidade –, as pessoas são solidárias e felizes. “A convivência pode ser conflitante em alguns momentos, mas o sentimento de humanidade prevalece”, diz. A solidariedade tem relação direta com outro aspecto observado. “As pessoas compartilham até a senha do wifi”, afirma. O sonho empreendedor vem crescendo. “As pessoas estão mais incentivadas a abrir seu próprio negócio porque a renda da classe C residente na favela aumentou e os aglomerados se tornaram um grande shopping popular a céu aberto”, afirma.
DESAFIOS Assim como a pesquisa revelou, o presidente da Cufa confirma: “ainda há desafios”. Além de vencer a imagem negativa de como a favela é vista no noticiário, como avaliam os moradores desses locais, é preciso ampliar as oportunidades de vida e a infraestrutura. “Faltam creches, escolas de ensino médio e de ensino técnico, entre outros serviços”, afirma Francisley. Sobre o Vila Vila, um dos principais programas habitacionais e de urbanização da Prefeitura de Belo Horizonte, o presidente da Cufa diz receber da comunidade queixas sobre valor de indenizações e tamanho dos apartamentos.
Diretora de Obras da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), Patrícia Batista, afirma que existe uma série de obras em curso nas vilas e favelas da capital e que atualmente as áreas de risco são muito menores que no passado. Na avaliação dela, a chegada da infraestrutura é um dos fatores para a melhoria da qualidade de vida da população, que ainda enfrenta desafios em função do adensamento e da topografia, como transporte e coleta de lixo.