Jornal Estado de Minas

Promotor diz que 'licença não é salvo-conduto' para mineradora; veja entrevista


Um laudo com indicação de causas do rompimento de duas barragens da mineradora Samarco em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, na Região Central de Minas, deverá estar pronto em 30 dias. Esta é uma das deliberações do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam) do Ministério Público de Minas Gerais, tomada em reunião realizada na manhã de ontem. O encontro serviu para definir responsabilidades da mineradora, que deverá tomar providências imediatas para garantir toda a assistência às vítimas do acidente e contar as ondas de rejeitos, evitando o risco de novos acidentes ambientais.

Coordenador do Nucam, o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto disse que a Samarco terá de recuperar a área destruída, reconstruir povoados e, em questões em que não for possível a restauração, como no soterramento de uma igreja do século 19, terá de compensar as perdas da população. O agravante é que as atividades da mina de Mariana, segundo o promotor, permanecem interrompidas por tempo indeterminado e o empreendimento poderá se tornar inviável se for recomendada a construção de nova barragem no local.

Carlos Eduardo afirma que o valor do meio ambiente é imensurável, mas a dimensão do dano é muito importante e principalmente o que esse dano atingiu. “Por exemplo, temos a informação de que foi soterrada uma igreja do século 19. Quanto vale essa igreja do ponto de vista imaterial para a comunidade? Também é um dano ao patrimônio cultural, simbólico. O primeiro ponto é a recuperação total do que é possível fazer. A empresa terá que fazer isso, quer seja por Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), quer seja por via de medida judicial, e depois terá de compensar o que não é possível recuperar.
Essa é a direção do inquérito civil.

O especialista em geotecnia de barragens Joaquim Pimenta de Ávila, contratado pelo MP como consultor para auxiliar na emissão do laudo técnico da tragédia, e um dos autores do projeto original da Barragem do Fundão, disse que, “embora a tecnologia de barragens esteja bem desenvolvida, ocorrem no mundo em média dois rompimentos semelhantes ao de Bento Rodrigues por ano. A tendência atual é não dispor mais dos rejeitos das minas com água, mas a tecnologia ainda é nova”, afirma.

Pimenta diz que não é hora de tirar conclusões. “É cedo para dizer qualquer coisa. Em uma barragem que estourou ano passado no Canadá, a equipe de especialistas levou cinco meses para emitir laudo preliminar”. Segundo ele, a estrutura robusta da barragem de Fundão seria capaz de suportar os tremores de terra identificados em sensores da Universidade de São Paulo na quinta-feira.

Carlos Eduardo Ferreira Pinto - Promotor


O promotor Carlos Eduardo Pereira Pinto, envolvido nas investigações, diz que preocupação do MP é levantar informações, mas ressalta que “não é normal” o que ocorreu em Mariana. “Não é porque (a barragem) estava licenciada que um rompimento pode ser visto dentro de um contexto normal”.

É possível formular hipóteses sobre as causas da tragédia?


É prematuro dizer quais são as causas do acidente. Neste momento, o esforço do Ministério Público é compilar todas as informações técnicas qualificadas, de forma a prestar todos os esclarecimentos à sociedade mineira e especialmente à sociedade de Mariana.

A obra, afirma a empresa,  estava licenciada e com todos os laudos necessários.


Isso nesse momento não significa nada pra gente.
Licenciamento não é salvo-conduto. Não é porque estava licenciada que um rompimento desses pode ser visto dentro de um contexto normal. É mais ou menos como alguém sair embriagado atropelar alguém na rua e dizer: “Eu tenho carteira de motorista”. Não é essa a lógica.

E qual é a lógica,  então?


A lógica é saber quais eram os programas, qual era a capacidade dessa barragem, quais foram as medidas emergenciais tomadas naquele momento pela empresa para evitar o dano. O dano é muito grande e já há a expectativa de que atinja o estado do Espírito Santo. Se este não for o maior acidente ambiental de Minas, pode ser o maior do Brasil. Estamos trabalhando com três pontos fundamentais. O primeiro deles é a identificação de obras emergenciais necessárias à estabilização do que ali restou, e a contenção de outros rompimentos ou outros danos.
Esse risco sempre existe, apesar de ser residual. No segundo momento, vamos passar à elucidação das causas do acidente, já visando à responsabilização da empresa na compensação de todo o dano.

Sabemos qual é o tamanho desse dano?

O estrago é imensurável no primeiro momento. Os danos são imensuráveis e a cada momento está avançando em maior extensão. Você tem cursos d´água soterrados, áreas de preservação permanente afetadas, a ictiofauna destruída e o comprometimento do abastecimento de água. Nosso desafio agora é dimensionar e materializar os danos. É importante a reunião estratégica neste sábado para que a gente não perca o fim de semana porque no meio ambiente o dano vai perdendo a materialidade. Na semana que vem, o rio já não é mais o mesmo.

É possível a situação piorar mais?

A gente torce para que não chova porque mesmo após a estabilização, ainda há muito o que se fazer. É imprescindível que haja um plano para conter tudo o que este mar de lama vai deixando pelo caminho. Não podemos estabilizar esta área e, toda vez que chover, esperar que sejam carreados os resíduos de novo para o rio. Não tem jeito de limpar, mas ao menos minimizar isso.

Não deveria haver sirenes para avisar as pessoas no momento da tragédia?


É inimaginável um plano de emergência prever que haja ligação para as pessoas.
Qualquer cidadão ao ouvir um barulho não vai ficar esperando um telefonema na sua casa. Um aviso emergencial pressupõe que mais vidas sejam poupadas.

Essa lama pode ser limpa?

Vai depender da reação do próprio meio ambiente. Terá de ser avaliada qual é a melhor maneira de fazer isso. Estamos estudando um projeto de recuperação razoável.

Há como calcular valores?


O valor do meio ambiente é imensurável, mas a dimensão do dano é muito importante e principalmente o que esse dano atingiu. Por exemplo temos a informação de que foi soterrada uma igreja do século XVII. Quanto vale essa igreja do ponto de vista imaterial para a comunidade? Também é um dano ao patrimônio cultural, simbólico. O primeiro ponto é a recuperação total do que é possível fazer. A empresa terá que fazer isso, quer seja por Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), quer seja por via de medida judicial e depois terá de compensar o que não é possível recuperar. Essa é a direção do inquérito civil.

O povoado de Bento Rodrigues vai ser restaurado?


Isto vai ter de ser analisado. Se não for possível restaurar e reconstruir o povoado, a empresa vai ser obrigada a realocar ou construir outro local.
Isso vai ser cobrado da empresa.

As operações na mina de Mariana continuam?


Não, elas estão paralisadas. Segundo informação prestada aqui nesta reunião pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente, foi feito auto de infração e suspensão da licença por prazo indeterminado até que a mina tenha condições de operar com segurança.

Há previsão de que volte a operar algum dia?


Se a empresa recuperar a área e compensar todos os prejuízos e comprovar que pode operar com segurança, a legislação permite que a empresa volte a operar. Mas um laudo pode dizer que não será mais possível operar aquela barragem. Então a empresa terá de construir nova barragem. Não sei se isso seria viável economicamente..