Os caminhos que levam a Bento Rodrigues não espelham mais a alegria de desvendar a história de Minas, a emoção de visitar monumentos dos tempos coloniais e o prazer de saborear iguarias com os sabores da terra.
Tudo agora é passado – com o cheiro podre da lama, a visão fantasmagórica dos prédios destruídos e o lamento de quem conheceu a comunidade devastada pelos dejetos vazados das barragens do Fundão e Santarém, da Samarco.
O Estado de Minas percorreu as trilhas, encontrou moradores e gente que conheceu o lugar em outros tempos e hoje lastima o ocorrido na tarde da última quinta-feira. A estrada de terra unindo Camargos a Bento Rodrigues está interrompida pela lama, que desceu no sentido contrário ao Rio Gualaxo. A ponte desapareceu, ficou o vazio, um abismo colossal, que assusta muitos moradores da região.
PIMENTA BIQUINHO Quanto mais se anda, mais se fica impressionado com o cenário de destruição. Há barrancos caídos, árvores arrancadas inteiras, raízes expostas. “A gente sai daqui, mas não abandona”, diz Maria Inez Jorge, a dona Nezinha, de 76 anos.
“Temos muitos amigos em Bento Rodrigues. É um lugarejo dos tempos do ciclo do ouro. Estou horrorizada com esta destruição”, diz ela, ao olhar o caos ambiental instalado na região. Além dos encantos naturais, ela faz questão de destacar a produção de pimenta-biquinho, de geleia e conserva caseira, um charme a mais na culinária e chamariz para o paladar dos turistas.
Como o distrito de Camargos não tem escola, as crianças e jovens dali estudavam na Escola Municipal Bento Rodrigues. E é aí que o irmão de dona Nezinha, Ênio Jorge, entra nessa história. Todos os dias, antes das 16h, ele seguia para Bento Rodrigues, dirigindo sua kombi, a fim de buscar os alunos e trazê-los para casa.
Na quinta-feira, num determinado trecho, recebeu o alerta de um motoqueiro que vinha no sentido contrário. “Ele avisou que ocorrera o rompimento das barragens e não tinha mais estrada. Fui salvo pelo gongo, aliás, por São Bento, pois poderia sido atingido”, conta Ênio. Ele lembra, aliviado, que as crianças se salvaram.