Jornal Estado de Minas

Moradores lamentam: "Bento Rodrigues acabou"


Mãe de nove filhos, dois deles (de 14 e 16 anos) estudantes da Escola Municipal Bento Rodrigues, Silvana Aparecida Coelho, de 41, ainda se emociona ao tocar na tragédia divulgada internacionalmente. Para se salvar, os meninos correram pelo mato e foram resgatados pelos bombeiros. “Era um lugar tão bom. Aqui temos poucos recursos, mas todos são amigos”, diz Silvana, ao lado dos filhos Vinícius Coelho, de 24, pedreiro, e Graziele Stepany de Freitas, de 25, faxineira. “O povo daqui vive alerta. Houve perda de vidas humanas, mas comerciantes perderam o que estava no freezer, ficaram com dívidas, não têm mais nada”, disse ela.

Quando Silvana e família já estavam saindo do local, apareceu na estrada um conhecido, Rony Alves Silva, de 43, que queria voltar para a fazenda onde trabalha há seis meses. “Vou para lá, vou dormir no curral”, apontava Rony para a propriedade atolada no barro escuro. Passando as mãos no rosto vincado pela ansiedade e a tristeza, Rony relatava a perda de muitos animais, principalmente o gado.

“Esta fazenda é a vida do meu patrão. Estou aqui há seis meses. Perdi o emprego. Tenho que voltar para o curral, os bichos estão sem água para beber, sem comida”, afirmou. Silvana tentou demovê-lo, e o homem prometeu que seguiria para um lugar seguro.

Na vizinha comunidade de Camargos, a dona de casa Andrina Maria Rodrigues, casada e mãe de quatro filhos e seis enteados, mora num casarão bem diante da Igreja de Nossa Senhora da Conceição. “Se tiver perigo, temos que correr para lá”, diz Andrina, mostrando a longa escadaria que conduz ao templo do período colonial. A família é a única que continuou no local depois do alerta da Coordenadoria Municipal da Defesa Civil.
“Essa situação emociona a gente demais. Bento Rodrigues acabou. Não há nem a escola, a igreja”, disse Andrina na janela da casa “de mais de 150 anos”. Ao se despedir, ela observou: “Depois dessa tragédia, não dormimos mais. Vivemos com o coração apertado, mesmo sabendo que aqui não corremos riscos”.

Rony Alves é caseiro de sitio atingido em Camargos - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Recuperação levará décadas

Vegetação destruída, árvores arrancadas e construções dos tempos coloniais soterradas. Para o biólogo, ecólogo e professor do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor Ricardo Motta Pinto Coelho, serão necessários de 20 a 30 anos para a natureza se recompor desse tsunami de lama – “se houver ajuda com investimentos, remoção de sedimentos e outras práticas”, ressalta. Com o rompimento das barragens e escoamento da lama pelo Rio Gualaxo, a mata atlântica foi atingida, com seus exemplares de pau-d'óleo, peroba, aroeira e outras.

“Foi interrompido um processo natural, precisa haver a recuperação da paisagem. Os prejuízos ambientais são muitos nesse que é, sem dúvida, o maior desastre ambiental, em extensão, no Brasil.
O governo deve exigir uma indenização ambiental, pois os danos são gigantescos”, acrescenta o biólogo. “Há exemplos da recuperação da natureza, como ocorreu em Chernobyl”, numa referência ao acidente nuclear ocorrido em 26 de abril de 1986, na cidade da Ucrânia.

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