Sem previsão para o retorno da captação, tratamento e distribuição da água do Rio Doce aos cerca de 280 mil moradores de Governador Valadares, cidade mais importante da região cortada pelo manancial federal, o epicentro da crise causada pelo rompimento de duas barragens da Samarco em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, momentaneamente mudou de lugar. O ápice dos problemas se deslocou da Região Central de Minas para Valadares, no Vale do Rio Doce, onde a falta de água provoca desespero na população. Uma semana depois da tragédia, a presidente Dilma Rousseff veio a Minas Gerais, onde ficou pouco mais de cinco horas. Desembarcou às 10h10 no aeroporto da Pampulha, em BH, e seguiu para Mariana, mas não desceu em Bento Rodrigues, distrito devastado pelo rompimento das barragens, apenas sobrevoou de helicóptero. Depois seguiu para Governador Valadares, onde chegou às 13h e de onde partiu para Colatina às 15h30. A presidente anunciou uma multa de R$ 250 milhões à Samarco pelos danos causados ao meio ambiente. Por volta das 15h, moradores de Valadares bloquearam a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), em protesto contra a Vale, uma das controladoras da Samarco.
Em Valadares, Dilma cobrou ações da Vale e da BHP Bilinton, operadoras da dona das barragens. “As empresas têm que ser responsabilizadas por várias coisas. Primeiro, pelo atendimento emergencial da população. Segundo, pela busca de soluções mais estáveis, mais perenes, e, terceiro, pela reconstrução e pela capacidade de resolver os problemas da vida de cada um dos afetados por esse desastre”, disse. Como solução para a crise enfrentada por Valadares, que está sem água desde terça-feira, Dilma disse que será construída uma tubulação com adutoras de engate rápido, para retirar água do Rio Suaçuí Pequeno, um dos afluentes do Doce, e levar até a principal estação de tratamento de Valadares. Para isso, a presidente designou o secretário Nacional de Proteção e Defesa Civil, Adriano Pereira, responsável por articular junto à comissão montada pela prefeita Elisa Costa (PT).
RECUPERAÇÃO O secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Sávio Souza Cruz, informou que esse trabalho pode durar cerca de 20 dias. “A experiência mostra que em média a capacidade de construção é de 700 metros por dia. São 15 quilômetros do ponto de captação até a estação de tratamento”, afirma Sávio. Sem ter certeza do que pode acontecer, a população sofre com a escassez hídrica. Quem tem dinheiro encontra dificuldades para comprar água. Quem não tem, sofre com a falta dela. Dono de uma fábrica de salgados, o empresário Felipe Almeida, 27 anos, tem passado os dias em busca de água para a produção não parar completamente.
“A situação está muito difícil. Alguns clientes, como escolas, já não estão funcionando, o que já fez cair o faturamento. Funcionários reclamam que vão trabalhar sem tomar banho e sem roupa lavada. Tudo aqui é muito incerto, não sabemos o que pode acontecer nos próximos minutos sem água”, diz. O empresário também relatou serem comuns os furtos a estabelecimentos que comercializam água. “A população está em pânico”, completa. Os moradores de bairros mais afastados têm recorrido a córregos e riachos, mas são os poços artesianos que se tornaram a salvação momentânea dos cerca de 280 mil habitantes da maior cidade do Leste mineiro. “Temos um poço na minha chácara e vai ser de lá que vou distribuir a água para meus parentes que estão sem. É a única fonte de água que a gente vai ter enquanto não resolver, porque nem prazo a gente tem”, lamenta Diego Gonçalves, de 19 anos.
Na terça-feira, a prefeita Elisa Costa (PT) assinou um decreto que permite que a água de poços artesianos particulares sejam compartilhados. “Posto de gasolina, residências, empresas têm esses poços de captação. Nós assinamos um decreto que permite que essa água seja oferecida à população e estamos pedindo para que se faça doação”, explicou. O empresário Alcides Caumo, dono de um hotel e churrascaria no centro da cidade, reativou um poço artesiano. “Nosso poço estava desativado há 15 anos. Vamos fazer a análise já que o que temos na caixa não vai durar muito tempo”, afirma.
PROTESTO Por volta das 15h, moradores fizeram uma manifestação contra a falta de água e colocaram fogo em pneus na Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). Segundo a prefeitura, as composições de passageiros já tinham passado, tanto a locomotiva em direção a Belo Horizonte quanto o trem sentido Vitória. O protesto terminou no fim da tarde e a Polícia Militar registrou uma ocorrência pelo dano na estrutura da linha, já que alguns dormentes foram queimados. A Vale informou em nota que disponibilizou quatro vagões-tanque para transporte de 240 mil litros de água de Ipatinga para Valadares. A empresa também comunicou que outros 14 vagões de carga estão à disposição para transportar galões de água de doações e que nos próximos dias vai distribuir 25 mil litros de água mineral em galões de cinco e 20 litros. A assessoria de imprensa da Samarco informou que enviou 2,5 milhões de litros de água à Valadares, além de 13 mil litros de água potável. A partir de hoje, a empresa diz que a ajuda será de 2,4 milhões de litros por dia.
CRÍTICA O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, criticou a postura de Dilma em relação à catástrofe em Minas. Em sua página no Facebook, ele afirmou: “Triste ver a pouca solidariedade que a presidente demonstrou em relação às vítimas da tragédia que ocorreu em Mariana. Ao decidir ir a Minas somente uma semana depois do desastre e depois das muitas críticas à sua postura de indiferença, a presidente deixa uma marca pessoal que não será esquecida pelos mineiros”. E completou: “É lamentável que a presidente não tenha nem sequer descido na cidade (Mariana) para ouvir os moradores e conhecer de perto a situação, tendo se limitado apenas a sobrevoar a área atingida. É realmente uma forma diferente de demonstrar solidariedade”.