Mariana – Um novo Bento Rodrigues, o povoado mais devastado pelo estouro das duas barragens da Samarco, será reconstruído em outro lugar na área rural de Mariana, a 110 quilômetros de Belo Horizonte. Pelo menos essa foi a decisão dos desabrigados pelo tsunami de lama numa reunião, na manhã de ontem, com a participação de representantes do poder público. O prefeito da cidade histórica, Duarte Júnior, concordou com o desejo das vítimas: “A população decidiu que não quer a reconstrução naquele local. Então, hoje está definido que Bento deixou de existir”. O Estado de Minas voltou a Bento Rodrigues pela primeira vez depois de quarta-feira, quando as autoridades aumentaram o bloqueio e proibiram a entrada no distrito por causa dos riscos de a barragem Germano ceder e para uma mudança de estratégia nas buscas por desaparecidos. A lama que desceu das barragens já está mais seca, o que facilita a locomoção. Sinal de vida no local é de apenas animais. Em meio à destruição, cachorros abandonados caminham pelos rejeitos de mineração.
As opções de onde será o novo subdistrito ainda serão estudadas pelo poder público, empresa e comunidade. Uma das áreas que interessa aos desabrigados pertence à própria Samarco e fica próxima ao povoado de Taquara Queimada. “A nova Bento tem de ser bem parecida com a antiga. As pessoas tinham hortas, quintais e, agora, estão em hotéis. O povo não está acostumado a viver assim”, desabafa Antônio Pereira Gonçalves, de 46 anos.
Vídeo mostra o isolamento em Bento Rodrigues
Apelidado de Da Lua, Antônio e mais cinco desabrigados foram eleitos pela comunidade, ainda na reunião de ontem, para formar a comissão que discutirá a construção do novo povoado. Os moradores serão amparados pelo Ministério Público. O promotor Guilherme de Sá Meneghin recebeu da mineradora, no início da noite de sexta-feira, a proposta de um plano de ações que ele havia exigido no início da última semana.No documento, a Samarco se compromete ao pagamento de um auxílio mensal às famílias a partir de dezembro. O valor a que cada uma terá direito levará em conta variantes como o número de pessoas. A menor quantia, contudo, será um salário mínimo (R$ 788). “A Samarco vai enviar um cartão a cada família para que os saques mensais sejam feitos numa instituição financeira. A empresa ofereceu moradia, seja em hotel ou em casas alugadas. Vamos negociar a questão do reassentamento”, disse o promotor.
A mineradora também vai custear as hospedagens em hotéis ou em casas alugadas até o reassentamento em definitivo. A mineradora propôs ainda mobiliar casas alugadas e quitar as contas de energia elétrica. Ontem, as duas primeiras famílias foram transferidas de hotéis para casas alugadas. Uma delas é a de Rosa Helena da Silva, três filhos e um neto, que passaram a ocupar um imóvel de três quartos mobiliados.
Rosa, no entanto, lamenta não poder voltar à antiga moradia. “Lá, as crianças podiam sair sozinhas. Aqui, não. Lá é tudo unido um com o outro. Aqui, estamos no meio de estranhos. Não tem comparação. Lá era a minha casa. Aqui é a dos outros”. O maior receio de Rosa Helena e de outros moradores do Bento é que a união construída no lugarejo seja dispersada com a catástrofe ambiental.
Até terça-feira, outras três famílias da Pousada Conto de Minas devem ser transferidas para casas alugadas, mas a Samarco não tem prazo para transferir todas. “As crianças foram acostumadas com áreas muito grandes”, diz o prefeito, sobre a importância de transferir as famílias rapidamente. Segundo ele, em um hotel, uma criança quebrou um pé.
A transferência para as casas traz de volta um pouco da liberdade que os moradores do Bento perdem nos hotéis. Até nas refeições, segundo eles, são monitorados pela empresa. No restaurante do Hotel Providência, em meio ao entra e sai de pessoas, o porteiro confere um por um o nome dos moradores e diz: “Bom apetite. E não desperdiça a comida”. A orientação, diz o profissional, é porque muitos estão largando comida nos pratos.
BLOQUEIO O promotor ressalta que o custeio da Samarco com as propostas listadas no documento recebido anteontem não será financiado pelos R$ 300 milhões bloqueados pela Justiça na conta da mineradora, em caráter liminar, a pedido do Ministério Público.
Essa quantia, esclarece Meneghin, trata-se de uma espécie de caução, a qual será usada para indenização por dano moral e material às famílias em caso de a Samarco não bancar o reparo patrimonial às vítimas de Mariana. “Trata-se de uma espécie de garantia. A Samarco só vai movimentar esse recurso depois de cumprir as obrigações”.