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Estado de Minas

Parentes se apegam à fé na busca por desaparecidos na tragédia de Mariana

Familiares de pessoas desaparecidas depois do rompimento das barragens mantêm esperança de encontrá-las vivas e querem ao menos achar os corpos para fazer um sepultamento digno


postado em 16/11/2015 06:00 / atualizado em 16/11/2015 08:39

"Sei que ele não está mais vivo. Mas quero pelo menos o corpo para poder fazer o enterro" - Jaqueline Aparecida Dutra, mulher de Vando Maurílio dos Santos (foto: Daniel Camargos/EM/DA Press)
Mariana - Maria Elisa foi visitar a irmã e, quando estava pescando, foi engolida pela lama e está desaparecida. Daniel, Aílton e Edmirson saíram de casa para trabalhar, mas também não voltaram. Dona Maria saiu de casa para fazer a sobrancelha. No caminho de volta, foi alertada sobre o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, vizinha da comunidade de Bento Rodrigues, em Mariana. Ninguém sabe dizer o que aconteceu com ela. Mais de 10 dias depois do maior desastre ambiental do país, 15 pessoas, entre prestadores de serviço da mineradora (propriedade das gigantes Vale e BHP Billinton) e moradores do vilarejo, permanecem desaparecidas para angústia de familiares, que, sem notícias, guardam no fundo do coração a esperança de encontrá-los vivos. Mas sabem da dificuldade e já “aceitam” o corpo para que possam pelo menos enterrá-los dignamente.


A espera, em alguns casos, ganha contornos agoniantes. A técnica de enfermagem Jaqueline Aparecida Dutra chegou a receber ligação do Instituto Médico-Legal de BH informando a identificação do corpo de seu marido, Vando Maurílio dos Santos. Um exame das digitais teria confirmado a morte do desaparecido. “Minutos depois ligaram e desmentiram, porque precisariam da contraprova do exame”, recorda. O desencontro de informações aumenta a dor das famílias. Jaqueline diz ter ficado revoltada com a falta de cuidado dos legistas e afirma não ter mais esperanças. “Sei que ele não está mais vivo. Mas quero pelo menos o corpo para poder fazer o enterro”, resigna-se. A identificação dos corpos é um desafio para os legistas, porque, depois de 11 dias do desastre, os restos mortais encontrados estão em avançado estado de decomposição, o que amplia o sofrimento das famílias.

Tragédia e fé: "Deus não nos abandona"

Com os nervos à flor da pele por não saber o paradeiro da mãe, de 64 anos, Marli de Fátima, filha da aposentada Maria das Graças Celestino da Silva, teve que ser atendida por duas vezes por psicólogos nos últimos dias. “A cada dia que passa, aumenta a minha angústia. Perder uma mãe é muito triste, do jeito que foi é mais doloroso ainda”, afirma. Como a mãe tem problema de audição, ela acredita que não possa nem mesmo ter escutado ou entendido o tamanho do perigo, uma vez que as pessoas próximas  tentaram alertá-la do estouro das barragens e, por isso, foi até a casa para trancá-la. Abalada com a possível perda, a situação agrava-se por estar fora de casa, hospedada em um hotel até a Samarco definir o futuro dela e de outros moradores do Bento. “Tenho esperança. Quero que encontrem ela viva ou morta. Viva, amém; morta, que Deus acalme ela”, diz Marli.


A falta de informações torna a situação ainda mais crítica. Filha do operador de máquinas Daniel Altamiro de Carvalho, Sandra de Carvalho cobra da Samarco maior assistência. Diz que a empresa “não fala nada” sobre a busca e a Integral, terceirizada onde o pai trabalhava, sabe pouco. “Todo mundo está triste. A falta de informação aumenta a angústia. Ninguém merece ter um pai que sai às 5h30 e não volta mais”, reclama a jovem, que, desde a tragédia, não consegue voltar a estudar.


Na falta de um sinal das autoridades responsáveis pelas buscas, o apego divino é a solução para familiares das vítimas da barragem. “Esperança sempre temos, dizem que é a última a morrer”, reflete Terezinha Jesus Lopes Pessoa, esposa de Edmirson José Pessoa. “Peço a Deus que encontre ele vivo, mas o tempo passa e fica mais difícil. Rezo o pai-nosso e coloco nas mãos de Deus, que seja feita a vossa vontade”, complementa.

OUTRO CORPO
Bombeiros encontraram mais um corpo ontem pela manhã, ainda sem identificação, no distrito de Águas Claras, em Mariana. Os restos mortais foram encaminhados para o necrotério da cidade. Agora já são quatro corpos à espera de identificação. Apesar de o discurso ser o de acreditar sempre, o passar do tempo diminui a expectativa de achar com vida um dos desaparecidos no mar de lama que se transformou a comunidade de Bento Rodrigues. Sabedores da dificuldade, parentes rezam para que os corpos sejam encontrados e que, assim, a família possa dar adeus aos mortos seguindo a tradição cultural. Alguns dos desaparecidos podem ser um dos quatro corpos encontrados pelos bombeiros e ainda não identificados. Bombeiros e integrantes da Defesa Civil mantêm as buscas aos desaparecidos. Com a ajuda de máquinas pesadas, são abertos acessos. Paralelamente, mais de 250 animais já foram retirados vivos, mas bastante debilitados, do barro e encaminhados para um galpão alugado pela Samarco.

No sábado, a Defesa Civil excluiu três nomes da lista de desaparecidos. Com isso, em vez de 18 são 15 as pessoas ainda não identificadas. Eram três supostos moradores de Bento Rodrigues, mas ninguém os conhecia. A Defesa Civil tentar agora identificar como os nomes passaram a integrar a lista.

 

OS DESAPARECIDOS
Trabalhadores da Samarco e de empresas terceirizadas

(foto: Álbum de família)
(foto: Álbum de família)
Edinaldo Oliveira de Assis, de 40 anos
O operador de máquinas de uma empresa prestadora de serviços para a Samarco, trabalhava em uma retroescavadeira na obra de ampliação de uma das barragens.













(foto: Álbum de família)
(foto: Álbum de família)
Samuel Vieira Albino, de 33 anos
Operador de máquina de sondagem, já trabalhou em Angola e no Haiti com mineração. Na Samarco, ele operava uma plataforma que alcança 14 metros de altura, mas, nem a máquina foi encontrada, diz o pai dele, Júlio Albino. Samuel tem quatro filhos, duas meninas e dois meninos, entre 2 e 13 anos.











(foto: Daniel Camargos/Reprodução)
(foto: Daniel Camargos/Reprodução)
Mateus Márcio Fernandes, de 29 anos
Morador de Antônio Rodrigues, distrito de Ouro Preto, trabalhava como mecânico para uma empresa terceirizada da Samarco. No dia do acidente, a irmã Jaqueline Aparecida correu para o local, mas sem saber que o irmão poderia estar lá.











(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
Vando Maurílio dos Santos
Casado com Jaqueline Aparecida Dutra, é pai de Leonardo, de 4 meses. Os três moram em Itabirito, de onde, com frequência precisam se deslocar até a capital mineira para que o garoto faça acompanhamento médico por ter nascido prematuro.






Edmirson José Pessoa, de 48 anos
Morador de Santa Bárbara, o operador de máquinas e caminhões trabalha há um ano limpando barragens da Samarco. Segundo a esposa, Terezinha Jesus Lopes Pessoa, ele ajuda a custear o curso de medicina em Belo Horizonte.

Daniel Altamiro de Carvalho
Operador de trator, começou a prestar serviço para a Samarco há três meses. A filha Sandra Carvalho conta que o pai saía tão cedo para trabalhar que nem o via.

Ailton Martins dos Santos
Há 30 dias, presta serviço como motorista terceirizado da Samarco no complexo minerário do Germano, em Mariana. No dia do desastre, diz o filho dele, Emerson Aparecido dos Santos, o pai saiu cedo para as barragens e não voltou: “Sei que é muito difícil (ele estar vivo) porque estava trabalhando bem embaixo da barragem”

Pedro Paulino Lopes
Trabalhava na Manserv Montagem e Manutenção, terceirizada da Samarco

Claudemir Elias dos Santos
Trabalhava na Integral Engenharia, terceirizada da Samarco

(foto: Álbum de família)
(foto: Álbum de família)
Maria Elisa Lucas, de 60 anos
Não morava em Bento Rodrigues. No dia anterior, foi à casa da irmã no distrito para fazer o que mais gostava no tempo livre: pescar. Diz o filho dela Wanderley Lucas Filho, de 38 anos, que a tia conseguiu escapar, mas viu a irmã ser arrastada pela correnteza de lama.











(foto: Pedro Rocha Franco/Reprodução)
(foto: Pedro Rocha Franco/Reprodução)
Antonio Prisco de Souza, de 76 anos
Famoso em Bento Rodrigues pelo apelido de Totó, morava com uma irmã em uma das primeiras casas atingidas. Um problema de coração o obrigou a aposentar precocemente e, por isso, pouco saía de casa, limitando-se a cuidar das galinhas e dos cachorros.












(foto: Álbum de família)
(foto: Álbum de família)
Maria das Graças Celestino da Silva, de 64 anos
Aposentada, dona Gracita não gostava de ficar sozinha. Depois que o filho casou, um mês atrás, foi morar com a filha. Testemunhas dizem que a alertaram sobre o rompimento da barragem, mas, sem saber da dimensão da tragédia, ela foi até a casa para trancá-la.





Ana Clara dos Santos Souza, de 4 anos, Mariana da Silva Santos, de 21, e Bruno dos Santos Souza, de 29
Os três nomes de supostos moradores da comunidade de Bento Rodrigues, informados pela Defesa Civil, são desconhecidos de todos os moradores da localidade. O Estado de Minas entrevistou mais de 30 pessoas em busca de informações sobre eles e todos disseram desconhecê-los, assim como os irmãos Dias Batista, Mateus e Yuri, e a mãe deles Ana Clara. Os três últimos também integravam a lista de desaparecidos, mas foram excluídos na tarde de sábado. As entidades responsáveis pelas buscas investigam o que houve de errado para terem sido incluídos na relação e quem são eles e os outros três nomes que permanecem na lista.





 


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