A tragédia que atingiu Mariana, na Região Central do estado, fez acender um alerta em Paracatu, no Noroeste de Minas, distante aproximadamente 200km de Brasília. Rodeada por reservatórios similares, com materiais tóxicos, a cidade no Noroeste do estado abriga a maior extratora de ouro a céu aberto do país, localizada em perímetro urbano – uma das únicas no mundo com essas características. Diante da catástrofe de 5 de novembro, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu abrir inquérito civil público para apurar a situação das estruturas que pertencem à Kinross Gold Corporation, multinacional canadense que explora a área. A comunidade de Paracatu, assim como a de Mariana, guarda características de patrimônio histórico e turístico e possui a mineração como vocação desde os tempos do garimpo.
Na última semana, o assunto chegou à Câmara de Vereadores da cidade, quando parlamentares usaram a tribuna para alertar os moradores sobre os riscos na vizinhança. O vereador João Macedo (DEM) disse, com base em imagens de satélites, que uma das barragens no perímetro seria entre 20 e 30 vezes maior do que as de Mariana. Na ocasião, Macedo rasgou um comunicado emitido pela empresa dizendo que as atividades na área são seguras. Em entrevista ao Correio, por telefone, o político confirmou o fato e adiantou que ingressará com uma ação civil pública no intuito de pedir esclarecimentos à empresa. “O clima em Paracatu, principalmente entre os moradores da Lagoa, região localizada ao lado da mineradora, é de medo”, disse.
Em busca de mais informações, outro vereador da cidade, Glewton Guimarães (Pros), quer a realização de audiência pública com representantes da sociedade civil e da empresa. A ideia é que a Kinross informe sobre o estado de conservação e manutenção das barragens, enquadradas pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) como de alto potencial de dano ambiental. Assim como elas, mais de 150 barragens de mineração em Minas Gerais recebem a mesma classificação. Desse total, 8,2% não têm estabilidade garantida ou não têm parecer concluído pelo auditor. Esse, contudo, não é o caso das construções da Kinross, que possuem, de acordo com o inventário de barragens 2014, produzido pelo órgão, estabilidade garantida.
Especialistas ouvidos pelo Correio informaram que, caso os reservatórios em Paracatu se rompam, regiões próximas à cidade, em altitudes inferiores, poderão ser atingidas, o que não é o caso do Distrito Federal. Mesmo assim, o DF sofreria os impactos da devastação, com a infiltração dos materiais tóxicos no solo. Os estragos nas proximidades de Paracatu poderiam ser maiores que os observados em Mariana, já que os resíduos de retirada do ouro seriam mais prejudiciais.
Precauções
Após receber informações de que as barragens no estado estavam em situação delicada, o promotor de Justiça Felipe Faria de Oliveira, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), afirmou que também vai solicitar dos órgãos competentes dados acerca das estruturas. “Assim, poderemos priorizar uma atuação direcionada às situações mais emergenciais”, afirmou o promotor.
O nível da água nas barragens é apenas um dos aspectos que devem ser observados durante a manutenção e fiscalização das estruturas. Segundo o coordenador do Centro de Pesquisas Hidráulicos e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Barreira Martinez, a saída de água no pé das construções também pode causar problemas. “Catástrofes como a de Mariana não são acidentes. Qualquer obra de engenharia implica em risco. O que temos de fazer é diminuir esse risco, acompanhando as estruturas.”, concluiu.
O engenheiro Dickran Berberian, professor da Universidade de Brasília (UnB), sustenta que as barragens brasileiras estão entre as melhores do mundo. “Temos os melhores consultores técnicos nessa área. Essas estruturas praticamente não se rompem por aqui. Mesmo assim, é necessário fiscalização, tanto da parte de concreto, como da de solo.”
Procedimentos de segurança
A empresa Kinross divulgou nota sobre a situação de segurança das barragens em Paracatu, em que garante implementar “procedimentos rigorosos de manutenção, monitoramento e resposta a emergências, incluindo inspeções diárias e acompanhamento mensal por instrumentos e análise de dados.”
“A Kinross afirma que tem a segurança das comunidades locais, dos funcionários e do meio ambiente como prioridades em suas operações”, afirma a nota.
De acordo com o documento, a Kinross é “periodicamente inspecionada por engenheiros especializados e credenciados que projetaram as barragens, por representantes da comunidade, órgãos reguladores estaduais e federais e auditores internos e externos.” Além disso, peritos independentes também inspecionam as estruturas a cada três anos, segundo informações da empresa. “Controles e monitoramentos garantem e atestam a estabilidade da estrutura da barragem e a qualidade da água devolvida ao ambiente”, informa.
A especialista em barragens Rafaela Baldi Fernandes esclarece que, por lei, todo o empreendimento de mineração precisa protocolar um plano de segurança no órgão governamental de fiscalização. “A legislação vigente diz que a população deve ter conhecimento da matriz de comunicação desse planejamento, isto é, ser informada caso algo de errado aconteça durante as atividades normais da barragem. É previsto, ainda, por lei, treinamentos com comunidade, prefeitura e corpo de bombeiros, no caso hipotético de um evento de emergência”.
O Correio publicou uma série de reportagens no início deste ano, após denúncias sobre uma suposta contaminação em massa por arsênio, substância tóxica que seria decorrente do processo de extração do ouro. Moradores e acadêmicos vinculados à cidade ainda fazem relação do problema com a incidência de câncer na região. O MPF solicitou novos estudos no município para esclarecer o fato. A Kinross rebate as alegações. As reportagens foram finalistas do Prêmio Esso deste ano.