Mariana – Sob chuva e vivendo dias de incerteza, as comunidades que vivem próximas ao curso de lama resultante do rompimento da barragem da Samarco, no último dia 5, só têm esperança de recuperar a tranquilidade no ano que vem. Ontem, a empresa admitiu que as duas represas remanescentes do complexo – Germano, a maior de todas, que contém rejeitos, e Santarém, que acumula água – correm risco. Segundo a mineradora, o reparo da primeira vai durar 45 dias, enquanto a segunda, cuja contenção foi erodida pelo fluxo de lama do desastre, só deve estar completamente reparada em 90 dias.
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O trabalho de reforço das estruturas começou no dia 10. Serão necessários 500 mil metros cúbicos de terra e blocos de pedra para as barragens – cerca de 50 mil viagens de caminhões de menor porte. Há 170 pessoas trabalhando no projeto. “Todas as obras estão ocorrendo em paralelo, mas estamos priorizando a contenção de Selinha e a Barragem de Santarém, mas vamos trabalhar todas as estruturas para que o coeficiente de segurança fique acima de 1,5”, afirmou o diretor de Operações e Infraestrutura, Kléber Terra.
O diretor voltou a lamentar o desastre, mas disse que não é caso de pedir desculpas, e sim de verificar o que ocorreu: “A gente teve um evento trágico. A Samarco também está envolvida nele e estamos muito solidários e muito sofridos com tudo o que aconteceu. Nós também, como funcionários desta empresa. Não acho que seja o caso de desculpa, acho que é o caso de verificar claramente o que aconteceu.
PREOCUPAÇÃO A situação da Barragem de Santarém preocupa, com coeficiente de segurança de 1,37. “Em Santarém, estamos com um cronograma de aproximadamente 90 dias para transportar todo o material, terminar a abertura dos acessos. Faremos o preenchimento da erosão, o nivelamento da crista da barragem e a recuperação da extremidade, de modo a aumentar o nível de segurança”, explicou o engenheiro José Bernardo.
A barragem acumula 5 milhões de litros de sedimentos, cerca de 10% do que desceu no dia da tragédia. Pelo monitoramento, não registrou ainda nenhum movimento anormal. “Existe o risco, e nós, para aumentar a segurança, estamos fazendo as ações emergenciais necessárias”, explicou Germano Lopes, gerente-geral de Projetos e Estruturas.
CHUVAS Se a preocupação existe e é admitida pela própria mineradora, as chuvas ainda podem agravar o problema. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a previsão para a região que inclui Mariana é de chuva moderada ainda hoje, que tende a diminuir amanhã e depois, com ocorrência de pancadas, mas pode voltar a aumentar no fim de semana, com a chegada de uma frente fria que deve durar até a próxima segunda-feira. A previsão é de um fim de novembro chuvoso.
“Estou preocupado com essa previsão, pois não existe nada que seja feito a curto prazo para minimizar a situação, a não ser o monitoramento. Essas barragens não têm mais os drenos funcionando da mesma forma de quando foram executadas”, afirma o perito Gerson Ângelo José Campera, especialista em solos e aposentado do Instituto de Criminalística , que esteve no local após a tragédia para orientar equipes de perícia.
Gerson explica que, sem drenos, a água tende a subir e a passar sobre a barragem, causando erosões e originando aberturas como as que estão aparecendo no dique do Germano.
“Se houver um período de chuvas prolongado e com pancadas fortes, o melhor é retirar todas as pessoas dos locais próximos e restringir o acesso, pois o risco de fato existe”, reforça o geólogo e professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernando Pires, que já trabalhou na região. Ele acrescenta que é preciso trabalhar o quanto antes para amenizar os riscos. “O fator tempo é crítico. Já se perdeu muito tempo antes do rompimento, lamentavelmente. Agora não se pode perder mais”, alerta..