Pelo menos 1 mil hectares de Áreas de Preservação Permanente (APP’s) nas margens dos rios por onde passou a lama de rejeitos oriunda do rompimento da barragem do Fundão, da Samarco, foram afetados. A análise, ainda preliminar, foi feita por técnicos do Ibama que acompanham os estragos da catástrofe provocada pelo rompimento da barragem da mineradora controlada pela Vale e BHP Billiton, no dia 5 deste mês. A área devastada é maior do que o perímetro da Avenida do Contorno, em Belo Horizonte (8,9 km²), mas se considerado todo o estrago, sem levar em conta apenas as APP’s, o total é de 1,6 mil hectares (16 km²).
“Se não foi má-fé, foi uma estimativa desonesta, ou um uso ilusório de um prazo”, avalia o doutor em botânica, Reinaldo Duque Brasil, sobre a estimativa da ministra. Reinaldo, que é professor do câmpus de Governador Valadares, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e especialista na Bacia do Rio Doce, classifica a catástrofe como um “ecocídio”.
Uma das principais unidades de conservação afetadas pela lama foi o Parque Estadual do Rio Doce. “Um refúgio de várias espécies de peixes e com trecho de mata atlântica preservada. É a unidade de conservação mais importante da bacia”, destaca Reinaldo. O professor lembra que grande parte das imagens de tartarugas, aves e peixes mortos foram feitas na região da Ponte Queimada, dentro da área do parque.
O Parque Estadual de Sete Salões, entre as cidades de Resplendor e Conselheiro Pena, também foi afetado. Reinaldo destaca que o parque é uma área montanhosa, com várias cavernas e pinturas rupestres, além de ser considerado uma área sagrada para os indígenas da etnia Krenak. O povoamento da região começou em 1808, quando uma carta régia declarou guerra ao povo Borum (chamado pejorativamente de botucados) e as primeiras cidades foram criadas como divisões militares da coroa portuguesa. “Os portugueses tinham muito medo dos indígenas e cometeram um genocídio”, relembra o professor.
Além desses dois, outra unidade de preservação afetada foi o parque municipal de Governador Valadares, que fica no sopé do Pico do Ibituruna; uma reserva ambiental de propriedade da Vale do Rio Doce, em Linhares e as áreas recuperadas pelo Instituto Terra, em Aimorés, projeto comandado pelo fotógrafo Sebastião Salgado. “É um dano irreparável, incalculável. A flora vai ser muito afetada e a fauna aquática nem se fala. Várias espécies vão ser exterminadas”, afirma Reinaldo.
Reinaldo pontua que após a matança dos índios teve início do ciclo da madeira e do gado. “A ideia era limpar as paisagens e com o tempo o Rio Doce se tornou um rio moribundo pelo histórico projeto de devastação. O que aconteceu com a chegada dessa lama foi o capítulo final de um ecocídio”, avalia o professor.
DANOS NA FAUNA Além de avaliar os danos ambientais ao longo do Rio Doce, as equipes do Ibama tentam reduzir os impactos no estuário, em Regência (ES). Já foram transferidos 33 ninhos de tartarugas marinhas para áreas que não deverão ser atingidas diretamente pela onda de rejeitos de mineração.Também foram colocadas barreiras contenção para atenuar o possível avanço da lama para áreas de desova.
O Ibama alerta que é preciso cuidado no resgate de peixes para que o problema não seja aprofundado por ações precipitadas, ainda que bem-intencionadas. O instituto listou alguns dos possíveis problemas na transferência indiscriminada de peixes do rio para as lagoas. Entre eles, a predação maciça de peixes jovens em desenvolvimento em lagoas que tenham papel de berçário; transferência indiscriminada de espécies exóticas invasoras presentes no Rio Doce, como o bagre africano e o tucunaré concorrência intensa com os peixes residentes das lagoas, por comida e refúgios.