Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, Periquito, Galileia, Resplendor e Aimorés – Juliano Reis, um pescador profissional de 38 anos, parece não acreditar no que os próprios olhos avistam no encontro das águas que dá origem ao Rio Doce: “Tinha uma capoeira, onde ficavam as capivaras, bem ali, no encontro do Rio Piranga com o Carmo. A lama destruiu tudo, arrastou e matou os bichos. Não tem como a gente se conformar com o que ocorreu”. Ele se refere ao tsunami de rejeito de minério liberado pelo estouro da Barragem do Fundão, em Mariana, de propriedade da Samarco, uma joint venture entre as gigantes do minério Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. Mas não foi a vida aquática a única sufocada: o desastre devastou matas ciliares e mudou a fauna às margens do rio. Lugares que eram habitados por lontras, patos selvagens e outras espécies agora são ocupados por montes de rejeito mineral, em um crime ambiental mapeado pelo Estado de Minas em todo o trajeto mineiro do Rio Doce.
O que o pescador observa, entre revoltado e incrédulo, é resultado da passagem de um turbilhão de cerca de 60 milhões de metros cúbicos de resíduos, despejado na natureza pela catástrofe. O desastre devastou povoados de Mariana, invadiu a cidade vizinha de Barra Longa, matou pelo menos 12 pessoas e deixou 11 desaparecidas. É a maior tragédia ambiental em Minas Gerais e no país, e, no mundo, o maior desastre da mineração.
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Afluentes podem ajudar a recuperar o Rio Doce"É uma visão aterradora", diz educador ambiental sobre chegada de lama ao marDepois da tragédia, vídeo torna Bento Rodrigues conhecido mundialmenteApesar de não atingidas, casas ficam isoladas em Ponte do Gama e região vira área de riscoRetomada do equilíbrio do ecossistema no Rio Doce levará anos ou até décadasPrefeitura diz que SAAE vai intensificar limpeza de equipamentos em Governador Valadares Morre o escritor e jornalista mineiro, Marco Antônio Tavares Coelho Luísa Mell acusa Samarco de não pagar frete de doações para animais vítimas da tragédia Bombeiros retomam buscas na Barragem Fundão onde três veículos foram encontradosOs peixes e as capivaras que viviam próximo à casa de Juliano foram as primeiras vítimas no Doce. “Não há mais capivaras aqui”, lamentou. Um emaranhado de troncos com cobertura de barro ocupou tanto a capoeira em que os animais costumavam descansar quanto as margens do rio, onde o gado buscava água fresca.
Onze espécies endêmicas da bacia já estavam em risco de extinção. Agora, o perigo de elas desaparecerem ficou maior. “O surubim-do-doce, por exemplo, desapareceu de quase toda a bacia em razão da pesca. Ainda há registros dele no Piranga e no Santo Antônio (afluentes do Doce). Esse animal vive entre pedras e no fundo, a área mais afetada pela lama”, informou o biólogo Fábio Vieira, com doutorado em ecologia e um dos maiores especialistas na ictiofauna da Bacia do Rio Doce.
Sede à beira do
curso barrento
O desastre prejudicou produtores, como Armando Raimundo, de 57. “O pasto virou lama. Os bichos correm o risco de atolar e morrer.
Ele mora em Periquito, no Vale do Rio Doce, onde o desastre causou desabastecimento de água até para consumo humano. Mas o que mais preocupa José é a falta de peixes no rio. “Tinha curimatã demais por aqui. Agora, não há nenhuma. Nada mesmo. Nenhum bicho sobrevive nessa água.”
Memória
Origem
O Rio Doce foi uma espécie de estrada usada por bandeirantes para colonizar terras então inóspitas, que hoje integram o Leste de Minas e o estado do Espírito Santo. O primeiro contato dos europeus com o leito foi em 13 de dezembro (Dia de Santa Luzia) de 1501. Em razão da data, o curso d’água foi batizado com o nome da santa protetora
da visão.