Barra Longa e Rio Doce – Enquanto o prejuízo natural na parte alta do Rio Gualaxo do Norte, em Mariana, foi predominante depois do rompimento da barragem da empresa Samarco, os danos mais abaixo, em Barra Longa, foram maiores para criadores de gado, agricultores e para o modo de vida tradicional das populações. Já desmatado por mais de 300 anos de ocupação na região, o Vale do Rio do Carmo, no município de Barra Longa, perdeu 95,65 hectares (ha) de cobertura florestal depois de receber o tsunami de rejeitos. A extensão de vegetação nativa é mais de duas vezes menor que os 216,16ha de mata atlântica perdidos em torno do Gualaxo. Contudo, as áreas de fazendas, estradas e construções atingidas nas margens, matas ciliares e baixios foi três vezes superior, chegando a 530ha. Os dados representam uma projeção da calha principal dos dois mananciais sobre o mapeamento florestal de satélites feitos pela organização não governamental Global Forest Watch.
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Vida aquática inviabilizada
Os peixes que também eram encontrados nos rios, e que costumavam se concentrar no ponto onde o Gualaxo deságua no Rio do Carmo, também desapareceram em meio aos restos de minério.
O grupo já conta com mais de 5.500 membros, entre voluntários, especialistas e pessoas que gerenciam um fundo a ser criado para custear os estudos. Por conta própria, Luiz Peres tem coletado amostras da água que ainda corre pelos cursos d’água. Os recipientes de líquido turvo já foram colhidos no Carmo, em Barra Longa, e no Gualaxo do Norte. “O cheiro de ferrugem é impressionante. Vida em um ambiente inóspito como se tornaram essas águas, só se forem bactérias anaeróbicas (que não precisam de ar para sobreviver). Peixes não conseguem respirar em um ambiente desses. Se não migraram, morreram”, atesta.
Avaliando a dinâmica da enxurrada de rejeitos minerários, o especialista conta que a energia da massa de sólidos que desceu era tão grande que conseguiu subir por afluentes que encontrava, sem perder força para chegar ao Espírito Santo, superando mais de 900 quilômetros. “A massa de lama descia pelo Gualaxo do Norte e, ao entrar no Carmo, aqui em Barra Longa, se esparramou na direção da cabeceira e da foz, subindo muitos quilômetros corrente acima, até perder energia”, conta.
Barro afetou até o cabloclo d'água
Depois de matar peixes e espécimes da fauna nativa, dizimar matas e agricultura, os estragos causados pelo estouro da Barragem do Fundão afetaram também o modo de vida tradicional de comunidades de Mariana e Barra Longa. Neste último município, uma lenda de 200 anos que tem como palco o Rio Gualaxo do Norte também foi duramente atingida pelos rejeitos de minério. É nas águas hoje barrentas que ficava a chamada “Ilha do Caboclo d’Água”, figura que ganhou até estátua no portal de entrada da cidade. Essa porção de terra, pedras e moitas de bambu era o ponto onde, geração após geração, os lavradores de Barra Longa contavam ter avistado a criatura que faz parte do folclore caboclo, vivendo em rios, virando barcos de navegantes e alimentando-se de criações. Muitos habitantes da comunidade contam ter visto rastros e até ter se encontrado cara a cara com o ser misterioso. Contudo, a passagem da lama simplesmente desintegrou a ilha e encobriu completamente as pedras onde testemunhas garantem ter presenciado ataques a potros e bezerros.
Um dos criadores que contam ter “encarado” o caboclo é o pecuarista e dono de açougue Mucci Daniel Kfouri. Ele relata que o fato ocorreu há quatro anos, quando procurava por bezerros desaparecidos na beira do rio. “Tinha sumido um bezerro e fiquei desconfiado que alguém tivesse me roubado.
O encontro com a criatura das águas do Gualaxo teria sido em seguida. “Vi o bicho (caboclo d’água) em cima de uma pedra do rio, comendo o outro bezerro. Parecia ter um metro e vinte, a boca grande e cheia de dentes, muito cabeludo, mas com os braços com um tipo de escamas, como se fosse um réptil. O olho era parado igual ao de um peixe”, lembra. A primeira reação, conta, foi atirar pedras no monstro. “Ele deu um urro para mim e mergulhou na água. Daí, veio com a mão de dentro da água e puxou o bezerro para o fundo. Depois disso, mais pessoas têm visto”, garante ele. O pecuarista acredita que, apesar de ter perdido sua ilha para a lama, o caboclo tenha sobrevivido.
ENQUANTO ISSO...
... Presidente pede desculpas a atingidos
Depois de 17 dias do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, o presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, pediu ontem desculpas a todos os atingidos pela tragédia que devastou povoados e encheu de lama o Rio Doce, até a chegada ao mar, no Espírito Santo. Em entrevista ao Fantástico, da Rede Globo, ele se desculpou com as pessoas que foram afetadas, os que perderam casas e familiares, ribeirinhos, pescadores, comunidades que têm os rios como fonte de sustento e com as população de Minas Gerais e do Espírito Santo, assim como com os funcionários da mineradora. Vescovi reconheceu ainda que o plano de alerta não funcionou na hora da catástrofe, disse que a perda de vidas “não é admissível” e informou que, após o desastre, foram instalados botões de alerta, na sala de monitoramento, para aviso imediato às comunidades e funcionários em caso de acidente com alguma das outras duas barragens do complexo (Germano e Santarém)..